terça-feira, julho 31, 2007

A Petra vem aí


Depois do show do Fito Paez e da Liliana Herrero, ainda tivemos fôlego, Nara e eu, para irmos até o coquetel de lançamento da peça As Lágrimas Amargas de Petra Von Kant, de Rainer Werner Fassbinder, cuja estréia será sexta-feira, às 20h, na sala Carlos Carvalho, da Casa de Cultura Mário Quintana. O coquetel lotou o mezzanino da champanharia Ovelha Negra. Entre champanhes e trufas, mais doces do que as amargas lágrimas de Petra, o diretor Airton Oliveira fez a apresentação da peça, da equipe e do elenco. Na equipe, está a minha esposa, Nara Maia, que é diretora de atores e iluminadora. Betina Müller protagoniza a estilista Petra, com um elenco de primeira à sua volta, vivendo a estilista de moda, de grande sucesso, viúva do primeiro marido e separada do segundo, que vive uma relação de ciúme e possessividade com uma modelo, Karin (Simone Telecchi), e também uma relação de poder e submissão com sua assistente, Marlene (Janaína Pelizzon). No elenco, ainda estão Rosa Campos Velho, Marley Danckwardt e Aline Jones. Eu já li o texto e já vi o filme do Fassbinder e a julgar pelas pessoas envolvidas e pelo texto em questão, vivido pela primeira vez no teatro brasileiro por Fernanda Montenegro (foto), o espetáculo tem tudo para fazer história no teatro gaúcho. Vamos conferir de sexta até 26 de agosto, de sextas a domingos, na Carlos Carvalho.

Na segunda-feira, FITEI



Bom, o Festival de Inverno de Porto Alegre foi fechado com chave carismática. Fito Paez e Liliana Herrero protagonizaram um encontro memorável de 1h30 com um público que lotou os 750 lugares do Theatro São Pedro (incluindo cadeiras extras) da sessão extra das 18h desta segunda-feira. A sessão das 21h foi igualmente lotada, foi o que me disseram. Fito é carismático, simpático, ama a música e tem letras simplesmente tocantes. Como é o caso de 11 Y 6: "Miren todos, ellos solos pueden más que el amor. (y son mas fuertes que el Olimpo). Se escondieron en el centro y en el baño de un bar, sellaron todo con un beso". Com Liliana Herrero, sua irmã maior - como Fito disse em brincadeira sobre música que compôs para o aniversário de 50 anos dela - Liliana - fizeram um pequeno passeio por suas composições e por obras de compositores latino-americanos do passado (Atahualpa Yupanqui) e contemporâneos (o uruguaio Fernando Cabrera). De Fito, Mariposa Technicolor compareceu no bis, com três músicas. A música que se insistiu por entre nossos ouvidos foi Romaria, de Renato Teixeira (que também esteve no Festival de Inverno), eternizada pela voz da pimentinha Elis Regina. Por duas vezes, Liliana regeu o coro da platéia, que tinha um foco de luz próprio, cantando à capela: "sou caipira pirapora nossa Senhora de Aparecida", mostrando um cara de contentamento, difícil de esconder. Noite mágica.

domingo, julho 29, 2007

Tango, vinho e sol


O final de semana foi regado a tango,vinho e sol. O primeiro elemento nos foi apresentado pela Orquesta Tipica Fernandez Fierro (foto), no início da noite de sábado, no Teatro Renascença, dentro da programação do Festival de Inverno de Porto Alegre. Os 12 jovens músicos do grupo fizeram um show de 1h30, com muita qualidade musical formada por um naipe de quatro bandoneóns, outro de quatro violinos, uma viola, um violoncelo, um piano e um vocalista que brincou o tempo inteiro com a platéia e mandou ver nos figurinos portenho-fashion. O grupo que está junto há quase uma década tocou cerca de 18 músicas, com dois bis, tendo como base os seus dois mais recentes discos Destrucción Massiva e Mucha Mierda.
Aliás, a brincadeira mais comum da banda era com o desejo de Mucha Mierda ou de de sorte, como dizem os atores no teatro. Ao final do show, conversei com um dos bandeonistas, que me confessou existirem umas dez boas orquestras típicas em Buenos Aires e que eles gostaram de tocar em Porto Alegre, porque o público é participativo e bem-humorado. Os rapazes rio-platenses ainda teriam outro show às 21 horas, fato que vai se repetir nesta segunda-feira, quando Fito Paez e Liliana Herrero realizam dois shows às 18h e 21h, fechando o Festival de Inverno.
Bom, depois do show, como ninguém é de ferro, rolou uma jantinha em casa, com o casal de melhores amigos e padrinhos de casamento, Luiz Fernando e Sinara. A Nara cozinhou massa ao pomodoro e a dois queijos. Para beber, o tal vinho chileno Santa Helena, já nominado no título deste post. No domingo, rolou o tradicional almoço em casa e aí o Brique da Redenção, acompanhado do sol, este velho companheiro, que não consegue espantar o incômodo frio. De tarde, fiquei na frente da tevê vendo o meu Inter amassar o Sport (5x1) em Recife pelo Brasileirão, chegando ao quinto lugar do Brasileirão. Na quarta-feira, tem Vasco no Beira-Rio e estaremos lá com certeza. Um baita fim de semana. De noite, vou ver o Derico Sciotti (aquele do sexteto do Jô), acompanhado da banda Sindicato do Jazz e da Banda Municipal de Porto Alegre. Vai ser de bater palma sem parar.

sexta-feira, julho 27, 2007

Um fim


Hoje pela manhã, chegou ao fim o seminário Cinco Lições sobre Nietzsche, ministrado pelo professor doutor da Unicamp/SP, Oswaldo Giacoia Jr, para o Festival de Inverno de Porto Alegre. Na aula final, no Teatro de Câmara, o assunto foi a relação da filosofia com a vida. Antes de tratar deste tema, Giacoia leu o aforismo 6 do capitulo Por que sou tão sábio, do livro Ecce Hommo. A síntese das considerações nietzscheanas é de que o ressentimento é doença e que a proposta de Nietzsche para o ser humano ser capaz de renunciar a vingança - principalmente contra o tempo, o foi, o passado - é o eterno retorno, a teoria do tempo circular, poder desejar novamente aquilo que foi.
No tema Filosofia e Vida, o mestre paulista traz à baila uma questão fundamental abordada por Michel Foucault que é o que estamos fazendo de nossas vidas ou o que estamos fazendo de nós mesmos. Nietzsche propõe que relação entre filosofia e vida não pode ser contemplativa, como sugeriam Platão, Kant e Schopenhauer. Esta relação deve brotar das entranhas. Com isso, questiona o imperativo ético kantiano e todas as éticas ocidentais até então, que é a busca de uma vida virtuosa, do ideal de felicidade. O objeto ético então é a felicidade. Em Assim Falava Zaratustra, Nietzsche diz com clareza que os homens modernos inventaram a felicidade. Só que o ideal da felicidade inventada é marcada pelo conforto, pelo bem-estar, pela segurança e pela ausência de dor e sofrimento, isto é, uma ilusão e uma apologia ao consumo infinito, aos templos da contemporaneidade, os shopping center 24 horas. Nietzsche novamente propõe em Crepúsculo dos Ídolos a arte como tragédia, como transfiguração estética, a arte pela arte ou por meio das festas dionisíacas, as bacanais, garantir a eternidade pela ação da sexualidade, pela dor do parto, pelo futuro da vida. Chegamos à conclusão de Nietzsche leva a filosofia e a metafísica ao seu esgotamento, apesar de - mesmo com seu contraponto e investigação profunda - às vezes dar suporte para o pensamento platônico, kantiano e schopenhauriano. É o preço que se paga pela profundidade de sua metafísica.
A aula acabou e ficamos todos órfãos da condução magna e precisa do professor Giacoia, que nos prometeu um "eterno retorno" para novas palestras e cursos.

Cortázar e Cla Wolff

A quinta-feira de Festival de Inverno de Porto Alegre foi de amizade e intimidade. Depois da aula teórica sobre ressentimento a partir da filosofi de Nietzsche do professor Oswaldo Giacoia, tive à tarde e à noite contatos com a atitude política de Cortazar, na quarta aula do mestre portenho Martin Paz. Dentre tantos aspectos abordados, Paz tratou de dar um contexto histórico-político da Argentina do século 20, dos momentos antes do peronismo e posteriores e do envolvimento de Cortazar com as revoluções desde que visitou Cuba em 1960. O conto Reunión, do livro Todos os Fuegos o Fuego é imputado por Paz talvez como um dos primeiro escritos ficcionais políticos de esquerda de Cortázar, pois trata do objetivo do desembarque de revolucionários em Sierra Maestra, onde estão presente a figura biográfica de Che Guevara e um homem chamado apenas pelo codinome Luis, mas que era Fidel Castro.
O professor também lembra que os escritores de esquerda foram muitas vezes condescentes com as atrocidades do governo cubano e traçaram Fidel como uma espécie de mito, que tinha habilidades em medicina, agricultura, economia e era capaz de lembrar de uma boa conversa e continuá-la dez anos depois de iniciá-la. Cortázar teve um envolvimento fortíssimo com a causa da revolução na Nicarágua, escrevendo Nicarágua tão Violentamente Doce e também o conto Apocalipse em Solentiname, onde o poeta Ernesto Cardenal vira um personagem.
À noite fui na abertura da exposição Olhares Revelados, da artista plástica e mais do que tudo minha amiga e muitas vezes parceira intelectual Clarice Wolffenbüttel Lemes. As obras são de uma composição bem construída, com uma razão pictórica bem definida, domínio das cores e intenções que trabalha os olhares enviesados, com a constituição física arredondada de um Botero ou de um Rafael.

Cla Wolff, como me permito chamar, é uma usina de idéias, que partem da sua ansiedade, de uma loucura que ela diz ter e que todos nós temos, que é o sopro da criação. Constrói poesias sempre. Divaga outras tantas vezes. Relembra fatos da história, sua formação primeva, com maestria. Lembrei de Cla Wolff e de Cortázar, pois foi ela que me deu a minha primeira obra em espanhol do escritor portenho, mas nascido em Bruxelas. É a edição de Historias de cronopios y de famas, que ela ganhou numa das suas viagens, a mais longa a São Francisco, que depois ganhou a Europa, onde vivências e formação artística em Amsterdam, na Holanda, deram para ela um sopro artístico a mais.

Mais um dia inesquecível.

quinta-feira, julho 26, 2007

O isso e o ressentimento




O Festival de Inverno de Porto Alegre segue quente, principalmente no que tange às discussões sobre Nietzsche, imputadas à assistência do curso no Teatro de Câmara pelo professor doutor Oswaldo Giacoia Júnior. Pois bem, na terceira e quarta aulas realizadas na quarta e quinta-feira pela manhã, os temas básicos foram o isso (na descontrução do ego cogito cartesiano) e a moral do ressentimento a partir das três primeiras dissertações de A Genealogia da Moral.

Quanto ao isso (ou o id freudiano), as informações que circulam na palestra são de que não necessariamente deve haver um eu pensante, mas sim um isso pensante, é o pensamento (segundo o aforismo 17 de Para Além do Bem e do Mal) que vem quando ele quer e não quando eu quero. Segundo Giacoia, o eu não pensa, o eu é pensado. Não é o eu que pensa, mas é o isso que pensa.

Na aula desta quinta-feira, a investigação sobre a gênese da moral leva todos até a derrubada do conceito da moral vigente até o século 19. Esta moral seguia com Kant e Schopenhauer o modelo socrático-platônico-cristão, que é a moral do rebanho, da massa, produto da culpa e do ressentimento. O ressentimento é considerado por Nietzsche como um entorpecente para os fracos: “alguém tem de ser o culpado por eu estar sofrendo.” Conforme Giacoia, baseado na Genealogia da Moral, o ato criador da moral da vingança é o não, a negação, construir-se a si próprio pela negação do outro. Este ressentido é comparado por Nietzsche ao tipos subterrâneos das Memórias do Subsolo, de Fiódor Dostoievsky.

Para Nietzsche, o não-ressentido tem o transbordamento da força, o outro não é mau, mas infeliz, privado de potência. Na dissertação I, parágrafo 10, Nietzsche dá o exemplo de Mirabeau, que não guardava lembranças de insultos e vilezas e não podia perdoar, simplesmente porque esquecia. Giacoia reitera que o homem forte é capaz de elaborar, de processar as suas vivências negativas, de não se ressentir, enquanto o homem fraco faz exatamente o contrário, se envenena e se intoxica com este sentimento repetido, guardado, este ressentimento.

terça-feira, julho 24, 2007

Da aurora à nostalgia


O Festival de Inverno seguiu nesta terça-feira a todo vapor. Estava com um pouco de sono, mas vi o professor Oswaldo Giacóia Jr.(foto) fazer uma pequena reflexão de uma hora sobre a epígrafe menor ainda do livro Aurora, de Friedrich Nietzsche: “há tantas auroras que não brilharam ainda”. Em linhas gerais, Giacóia relaciona a frase aos ensinamentos ascetas dos hinos hindus RigVeda. E com isso, reflete sobre a vontade como sofrimento, à maneira de Schopenhauer, e a ascese, a negação da vontade, o sábio percebendo que o real é a ilusão. Comentando que Nietzsche só se reafirma quando nega Schopenhauer e na Aurora oferece a sua luz, que é viver o aqui e agora no único mundo existente, já que não há nada além desta existência.

À tarde, o professor Martin Paz, da Universidade de Buenos Aires, leu e analisou contos como El Otro Cielo, Todos os Fuegos o Fuego e La Autopista Del Sur, além de Axolotes, Torito, Reunión e outros, de Julio Cortazar. No conto El Otro Cielo, estabelece-se a passagem fantástica entre uma galeria de Paris e outra de Buenos Aires. Na Autopista Del Sur, um engarrafamento se transforma numa comunidade. A tarde passou rápido e o frio chegou. Veio também à noite, na qual eu voltaria a ver a banda Engenheiros do Hawaii, ou o que restou dela – Humberto Gessinger e uma garotada. Vi o primeiro show deles no Rock Unificado 1986, no Gigantinho. Até 1992, assisti a uns 25 shows deles. Depois, parei porque achei que o Humberto estava ficando mais bossal do que aqueles que atiram bombas na embaixada.

Foi um show curto, de 1h48, com dois bis, que mostrou fãs ardorosos que lotaram o acanhado Teatro Renascença. Talvez o menor público deles da década: 400 pessoas. As músicas todas apareceram neste show acústico: Toda Forma de Poder, Somos Quem Podemos Ser, Era um Garoto, O Papa é Pop e Infinita Highway, além de novas como Vertical, bem moderna no arranjo. Humberto tocou tudo viola, violão, harmônica, piano etc. Noite ótima. De nostalgia. Amanhã tem mais.

Inverno Culto


Nesta segunda-feira, Porto Alegre começou a cumpriu sua promessa para comigo: me proporcionar um inverno mais culto. O dia foi intenso. Tive que tirar férias no jornal que trabalho – o Diário de Canoas – para poder acompanhar melhor todas as atividades. Logo pela manhã, o curso sobre Friedrich Nietzsche, ministrado pelo professor doutor paulista Osvaldo Giacóia Jr. (o que escreveu o Folha Explica sobre o filósofo), no Teatro de Câmara.
O tema da manhã foi a morte de Deus na obra do autor de Humano, Demasiado Humano. O professor Giacóia iniciou a incursão pelo mundo do esclarecimento e também do niilismo a partir do aforismo 125 de A Gaia Ciência: O Homem Louco.
Em síntese, o homem que procura Deus, descobre que todos nós o assassinamos e nos tornamos senhores do nosso destino, emancipando a nossa razão. Sem Deus e sem a sua metáfora maior do mar e do horizonte, o infinito e o absoluto caem por terra e sobrevive o intelecto como sujeito, com o homem deixando a condição de vassalagem. Nesta interpretação sobre a morte de Deus, as igrejas passam a ser os mausoléus e os túmulos de Deus.
Bom, a manhã passou voando, mas aterrissou tranqüila, sem tentar arremeter.

A tarde foi corrida, mas consegui chegar a tempo do seminário Os Jogos Secretos de Julio Cortázar, com o professor da Universidade de Buenos Aires, Martin Paz. Fui ao evento com a minha mulher, Nara. De início, houve uma reprodução de áudio de um fragmento do conto A Casa Tomada, do livro Bestiário. A partir da constatação da dicção do R cortazariano e do seu estrangeirismo, afrancesado, o mestre portenho apresentou a biografa do escritor nascido em Bruxelas em 1914, no início da 1ª Guerra Mundial, cuja família voltou à Argentina em 1918 para moram no subúrbio, em Banfield. Os dados biográficos mostram o contraste entre o burguês e o popular: tango ou jazz é o exemplo maior. A publicação da peça Os Reis (1948) e de Bestiário (1951), a bolsa do governo francês em 1958 e a publicação de Rayuela (O Jogo da Amarelinha em 1963 são peças da engrenagem do homem que passa a ser personagem no mundo. No estrangeiro, passa a ser um exilado pela literatura e a defender o enfrentamento dos regimes totalitários latino-americanos. Com uma série de dicas de contos que serão trabalhados na terça-feira, como O Outro Céu, Axolotes e Auto-estrada do Sul, Paz encerra a sua aula, chamando para a Possibilidade do Relato Fantástico: tema da segunda aula.

E o que falar da noite no Teatro Renascença. Tenho 38 anos e ainda não havia visto a dupla Sá e Guarabira tocando, muito menos com o terceiro integrante Zé Rodrix. Os caras são lendas-vivas. Tocam muito, são divertidos e passaram a desfilar sucessos e anônimas canções lindas. Dona, Casa no Campo, Te Amo Espanhola, O Pó da Estrada e Caçador de Mim. Não precisa dizer mais nada. Show de 1h30, com bis de 15 minutos. Noite memo e rememorável. De bater pezinho, como diz o Arthur de Faria.