terça-feira, dezembro 31, 2013

DO METAL AO CELTA, DO ROCK AO PROGRESSIVO



Crédito: Ricardo Giusti

Dos shows escolhidos para a lista dos dez melhores internacionais em Porto Alegre no ano de 2013, apenas dois não tem tanto a ver com a idade deste que vos fala, o Alice in Chains e o Chris Cornell que são de uma geração posterior, muitos também são de uma geração anterior, como é o caso do Yes, do Jethro Tull e do Elton John, mas todos foram shows grandiosos, sem exceção, alguns inéditos em Porto Alegre como o do Black Sabbath e a maioria inédito para mim. Foram shows que ultrapassaram a expectativa, alguns reproduzindo álbuns como foi o caso do Yes e do Jethro Tull, outros pontuando festivais, como o filho do homem, Ravi Coltrane, alguns surpreendentes como o UFO, com a energia de sempre, o Alice in Chains, cuja desconfiança em relação ao vocalista William DuVall em relação ao eterno Laine Staley era enorme.  Eu ainda teria o 11º colocado para inserir que foi o de Alicia Keys e outros shows internacionais bacanas, que já vieram outras vezes à Capital, como Fito Paez e Soledad Villamil. Então vamos aos 10 mais:


1 - BLACK SABBATH

O show de Ozzy Osbourne, Tony Iommi, Geezer Butler e Tommy Cufletos em outubro nos deu a dimensão do que é peso aliado a clássicos do metal em outubro na Fiergs. Noite inesquecível ao som de Paranoid, Iron Man, Children of the Grave, Black Sabbath, N.I.B. e mais recentes como End of the Beggining, Age of Reason e God is Dead. Duas horas de coração pulsando ao som do baixo e da bateria de Butler e Cufletos, viajando nos solos do canhoto Iommi e embarcando nas asas e nas corridas lentas e desajeitadas de Ozzy.


2 - YES

Três discos reproduzidos na íntegra. Um rock progressivo comemorando os seus 45 anos de carreira. O seminal Yes tocou em maio no Araújo Vianna durante mais de três horas e com três integrantes da formação clássica - Steve Howe (guitarra), Chris Squire (baixo) e Alan White (bateria). Os álbuns executados com efeitos de vídeo e luz foram “The Yes Album”, de 1971, “Close to the Edge”, de 1972, e “Going for the One”, de 1977, com o tecladista Geoff Downes e Jon Davson nos vocais. A abertura foi da banda gaúcha Apocalypse. Memorável ver ao vivo os longos sets de músicas como Close to the Edge e Siberian Kathru, além de Awaken e Starship Trooper.

3 - ELTON JOHN

O show de Elton John em março no Zequinha foi uma ode à competência deste exímio pianista e entertainer. evisto. Pude ver ao vivo no show de 40º aniversário de Rocket Man, ele tocar e cantar músicas como “Bennie and the Jets”, “Tiny dancer” e “Candle In The Wind”. “Rocket Man”, "Your Song" e insuflar a galera com dois petardos rock após mais de duas horas de show: I´m Still Standing e Crocodile Rock. Ninguém precisava mais nada. Show acima da expectativa.

Crédito: Chico Izidro

4 - ACCEPT

Este show talvez não tenha sido o quarto melhor internacional do ano, mas para mim foi e também para o meu amigo e colega Chico Izidro que escreveu sobre o show para o site do Correio do Povo. Ele falou de voltar à adolescência e realmente os dois remanescentes da formação original, o guitarrista Wolf Hoffmann e o baixista Peter Baltes colocaram os fãs em transe junto com o guitarrista Herman Frank, o batera Stefan Schwartzmann e o vocalista Mark Tornillo. Músicas novas como Stalingrad e Hellfire, nem tão recentes como  Teutonic Terror e as clássicas Fast as a Shark e a introdução de música alemã de bandinha, Restless and Wild, Princess of Dawn, Breaker, Metal Heart, Losers and Winners, Up to the Limit e a primal e gutural Balls to the Wall. Show para deixar rindo à toa.

5 - UFO

A volta ao passado foi a tônica deixando o pequeno Teatro do CIEE incendiado com a banda britânica UFO em sua turnê Seven Deadly. Com três membros de sua formação mais clássica - Phil Mogg (vocal), Paul Raymond (guitarra e teclados) e Andy Parker (bateria), além do guitar hero Vinnie Moore, a banda mostrou canções do novo disco "Seven Deadly", o 20º da carreira, além de clássicos dos 44 anos de serviços prestados ao rock, como "Doctor Doctor", "Rock Bottom", "Lights Out", "Shoot, Shoot" e "C´Mon Everybody". Um deleite musical que foi partilhado com veias do rock como Paulo Moreira, Dante, Cagê Lisboa, Roger Lerina, entre outros.

. Crédito: Ricardo Giusti

6 - JETHRO TULL

Sobre o show do Jethro Tull, eu reproduzo a matéria ambiental do show que fiz para o Correio do Povo em 12 de março de 2013:

ROCK PROGRESSIVO DO JETHRO TULL INAUGURA
SHOWS INTERNACIONAIS NO ARAÚJO VIANNA

Ian Anderson e grupo de instrumentistas realizaram show conceitual para 3 mil pessoas

No dia do seu aniversário de 49 anos, o Auditório Araújo Vianna recebeu dois discos inteiros de presente de Ian Anderson e seu Jethro Tull atual: o clássico disco "Thick as a Brick", de 1972 e o insano e temporão, mas não menos rock progressivo ou ópera rock, como queiram, "Thick as a Brick 2", lançado em 2012, 40 anos depois do primeiro. Foram 2h30min de show, com 15 minutos de intervalo de uma execução que deixou embevecida uma plateia de pouco mais de 2,9 mil pessoas no Araújo Vianna, inaugurando a fase internacional de shows da tradicional casa de espetáculos incrustada no coração do bairro BomFim, o Parque da Redenção.

O multi-instrumentista da banda Jethro Tull, Ian Anderson, iniciou pontualmente às 21h, o primeiro show internacional do reformado Araújo Vianna, nesta terça-feira em Porto Alegre. O show da turnê comemorativa aos 45 anos de carreira da banda e de Anderson foi uma apresentação com muita identificação histórica com o Araújo e sua tradição no rock e rock progressivo.

O show percorreu o lendário álbum "Thick Is a Brick", com Florian Opahle (guitarra), Scott Hammond (bateria), David Goodier (baixo), John O'Hara (teclados) e Ryan O'Donnell (vocal). Anderson cantava alguns trechos das músicas, mas a sua garganta gêmea era o jovem Ryan O´Donnell, que também personificava os momentos cênicos da ópera rock, personificando um empregado que varre o palco ou então um padre. Todo o grupo, porém, fazia evoluções instrumentais, cênicas num show conceitual, reproduzindo a atmosfera insana e criativa de "Thick as a Brick".

Após um intervalo de 15 minutos, veio a execução integral de "Thick as a Brick 2", com destaque para “Banker Bets, Banker Wins”, com o telão reproduzindo moedas e notas, “Wootton Bassett Town” e a mais longa faixa “A Change Of Horses”. Após mais uma hora de show, foi a vez do próprio Ian Anderson, com o seu personagem no telão apresentar a banda e ela sair de cena para voltar em dois minutos e executar a clássica "Locomotive Breath", com o trem que não pode parar: "I thank God, he stole the handle / And the train, it won't stop going / No way to slow down / No way to slow down / No way to slow down / No way to slow down". Era o gran finale de uma noite memorável para o Araújo Vianna, no dia do seu aniversário, e para os gaúchos.


7 - RAVI COLTRANE

O show que fechou o 3º Canoas Jazz em novembro foi indescritível. Como diria o mestre dos mestres do jazz, Paulo Moreira, o público deixou Canoas flutuando, com o filho do homem, Ravi Coltrane. Com um quarteto formado ainda pelos competentíssimos músicos David Virelles (piano); Hans Glawichnig (baixo acústico) e Johnathan Blake (bateria), este tocando a bateria mais horizontal que se tem notícias, sem pratos no alto, o saxofonista Ravi mostrou uma técnica apurada para conduzir o sax tenor e o sax soprano. Em muitos momentos, o pai baixou, como em "For Turiya" e  "Giant Steps", além de tocar "Segment", de Charlie Parker. Uma overdose do melhor jazz moderno combinado com os estilos do bebop e do fusion.

  Crédito: Luiz Gonzaga Lopes

8 - ALICE IN CHAINS

Sobre o show dos grunges, também reproduzo matéria minha para o Correio do Povo:

ALICE IN CHAINS DESFILA HITS EM SHOW NA CAPITAL

Banda de Seattle tocou para 3 mil pessoas

Esperar muito tempo para ver uma banda tem as suas compensações. A sua banda preferida toca a primeira música do show às 21h58min, "Them Bones" e você já canta a plenos pulmões e pula incansavelmente. Foram mais de 25 anos de espera para que Porto Alegre presenciasse um show do Alice in Chains, no rescaldo do vento que soprou no Rock in Rio, que trouxe também Alicia Keys e Gogol Bordello. Na noite dessa terça, no Pepsi on Stage, a banda de Seattle tocou durante 1h30min, para mais de 3 mil fãs que, como descrito anteriormente, cantaram todas as músicas, pularam, sentiram o peso do grunge e de elementos do heavy metal e do hard rock, além de disputar palhetas e baquetas ao final da apresentação.

Após a pesada abertura da banda Di Angelis, o Alice in Chains irrompeu no palco às 21h58min com "Them Bones". Mas isto já falamos. Era claro que seria um show de hits, mas também de músicas do disco novo "The Devil Put Dinosaurs Here", o que apareceu na terceira música, a consistente "Hollow", com a cozinha batida de coração da batera de Sean Kinney e do baixo de Mike Inez. Em "Check My Brain", o vocalista Wiliam Duvall reedita os melhores e mais rasgados registros vocais de Layne Staley, morto em 2002.

Após um "obrigado" e um "Porto Alegreeeee" em português, foi a vez de a banda dar a sequência de hits que esquenta qualquer show, ainda mais um tão aguardado. Com a guitarra incendiária de Jerry Cantrell e o telão de LED reproduzindo imagens de um coração até sequências psicodélicas, se seguiram clássicas como "Man in the Box", "Nutshell" e "No Excuses". Público ganho, cantando junto, meio que hipnotizado pela energia do Alice ao vivo. Depois, outras pérolas como "We Die Young", "Down in a Hole" e a pesadíssima "Acid Bubble", encerrando a parte do show, ainda sem bis, com "It Ain´t Like That". Na volta para o bis, já com o canto em coro de "Alice in Chains, Alice in Chains", a banda emendou as duas mais pedidas da noite: "Would?" e "Rooster". Uma noite muito especial de mergulho no tempo para nós, público, e para eles, pois DuVall disse que a banda voltaria, agradecendo com grande emoção o carinho do público, enquanto Cantrell bateu as mãos no peito, como querendo dizer que o coração da banda se encantou com o público gaúcho.


Crédito: Luiz Gonzaga Lopes

9 - LOREENA MCKENNITT

O show de Loreena McKennitt em outubro no Sesi também recebeu cobertura do Correio do Povo e neste texto eu falo de quão bom foi este show:

GAÚCHOS SE EMOCIONAM COM A JORNADA CELTA DE LOREENA MCKENNITT

Show da cantora e multi-instrumentista canadense ocorreu no Sesi

O primeiro show de Loreena McKennitt no Brasil (ela começou a turnê nacional por Porto Alegre) foi de muita emoção, inspiração e de uma aula de música e cultura celta. A apresentação da cantora e multi-instrumentista canadense com mais de 14 milhões de álbuns vendidos pelo mundo foi realizada na noite deste domingo no Teatro do Sesi. Com quase meia hora de atraso, o show foi realizado em dois atos, com duração total de 2h30min, diante de um Sesi lotado de pessoas que esperaram 28 anos para o contato com a apresentação ao vivo da canadense, que tem raízes escocesas e irlandesas.

Quando Loreena surgiu no palco, o público não conseguia conter a emoção. A primeira música executada por Loreena tocando harpa foi "She Mover Through the Fair", mas foi com a segunda canção, já ao acordeon, a clássica "The Mummer´s Dance", do álbum "The Book of Secrets" (1997), que ela pôs o público para embarcar na emoção de uma jornada pela música celta.

Neste primeiro ato do show, com o apoio de uma banda mais do que competente, aí vai um destaque para o naipe de violino e cello, com Hugh Marsh e Caroline Levelle, esta com seus cabelos ao melhor estilo de Cate Blanchett como o elfo Galadriel, em O Senhor dos Aneis e o Hobbit, Loreena executou outras grandes músicas dos seus quase 30 anos de carreira, como "Bonny Portmore", "Marco Polo" e "Penelope´s Song.

Antes de executar uma peça musical sobre a emigração irlandesa para o Canadá, "The Emigration Tunes", Loreena chamou a tradutora para falar das agruras do povo que chegou à região de Quebec em navios, se oferecendo para ser o lastro que equilibrava a embarcação durante a viagem, padecendo com fome, febre tifoide e cólera. O primeiro ato foi encerrado com as clássicas "The Bonny Swans" e "Caravanserai", música que funde sons e ritmos ocidentais e orientais, antes da qual explicou que conheceu na Turquia algumas edificações quase intactas destes estalagens que eram entrepostos para mercadores viajantes entre Oriente e Ocidente.

Após o intervalo, o segundo teve o primeiro ponto alto quando Loreena apresentou a mística "Santiago" sobre Santiago de Compostela. Nesta música, ela autorizou o público a tirar fotos, com flashes mesmo, pois recordava uma festa nesta região com muitos fogos de artifício. Depois, pediu para que as pessoas guardassem suas câmeras, celulares e tablets. O show foi seguindo em alto nível de emoção até as três músicas do disco que a alçou ao estrelato, "The Visit" (1991): "The Lady of Shalott", "All Souls Night" e "The Old Ways", esta última do segundo ato, com destaque para o guitarrista Brian Hughes; o baterista e percussionista Rick Lazar; Ben Grossman no hurdy gurdy; Ian Harper nas pipes e Dudley Phillips no baixo acústico.

Após palmas entusiasmadas e agradecimentos emocionados de ambas as partes, de Loreena ao público e vice-versa, a canadense voltou duas vezes para o bis para executar "Dante´s Prayer" e "Huron Beltane Fire Dance". Uma noite de muita emoção e música celta da mais alta qualidade. Loreena agora segue a turnê brasileira, que prevê apresentações nesta terça, no Citibank Hall, no Rio de Janeiro, e na quarta e quinta no Credicard Hall, em São Paulo.

Crédito: Luiz Gonzaga Lopes

10 - CHRIS CORNELL

Também sobre o show de Chris Cornell no dia 17 de junho no Bourbon Country, eu preparei uma matéria que resume por que ele ficou em 10º lugar na minha lista:

CHRIS CORNELL ENCANTA FÃS EM SHOW ACÚSTICO

Cantor tocou durante quase duas horas em Porto Alegre

Na noite em que as vozes se levantaram por todo o Brasil para protestar contra a Copa das Confederações e outros desmandos, uma das principais vozes do grunge de Seattle, Chris Cornell, que foi vocalista de bandas como Soundgarden, Audioslave e do projeto Temple of the Dog, fez um show acústico que parecia mais um "Peça e Ofereça", da Caiçara, tamanha a escuta do músico de Seattle aos seus fãs que lotaram a plateia do Teatro do Bourbon Country na noite dessa segunda-feira, deixando espaços no mezanino e nas galerias. Foram 22 músicas durante uma horas e 50 minutos na agitada noite dessa segunda-feira.

Na terceira apresentação do show acústico, Chris Cornell, entrou no palco com 35 minutos de atraso (21h35min) com seus violões e a sua voz vibrante para atender a pedidos de fãs e contar algumas histórias interessantes da sua carreira de quase 30 anos de estrada. O músico iniciou a apresentação com três músicas da carreira solo: "Scar on the Sky", "As Hope and Promise Fade" e "Ground Zero", esta última pelo nome dedicada ao Marco Zero no local onde foram derrubadas as Torres Gêmeas do World Trade Center em 11 de setembro de 2001.

Após tocar a música em homenagem ao amigo Andrew Wood, da banda Mother Love of Bone, morto por overdose de heroína em 1990, chamada "Say Hello to Heaven", Cornell usou o seu bom humor para explicar que a música "Finally Forever", do disco solo "Carry On" foi escrita para o seu próprio casamento e depois foi utilizada em um comercial de basquete da NBA, o que foi estranho para ele.

No estilo "Peça e Ofereça", quando estava dedilhando os acordes de uma outra música, ao pedido de "Call me a Dog", do Temple of the Dog, feito por uma fã, mudou o tom e cantou a música pedida, fiel como um cão aos seus fãs. Assim tocou outras canções das três bandas pelas quais passou, como "Hunger Strike", "Seasons", "I Am the Highway", "Fell on Black Days", "Doesn´t Remind Me", "Be Yourself" e "Wide Awake", esta com aquela guturalidade e alcance rasgado que Cornell, Eddie Vedder e Kurt Cobain nos legaram.

Na hora de um dos pedidos, diante de tantas vozes, o homem do norte dos Estados Unidos fez uma homenagem ao Sul. "Eu ouvi Hotel Califórnia" e tocou a música dos Eagles numa versão lânguida e pungente, num dos poucos covers da noite, pois quando alguém gritou "Billie Jean", de Michael Jackson, a reação foi mais negativa do que positiva. O show foi encerrado com "Blow Up the Outside World", cheia de efeitos, distorções e ecos, deixando o palco vazio para quase cinco minutos de aplausos esperançosos pela volta de Cornell. Mais um daqueles shows que os fãs não acreditam estar perto do seu ídolo pela primeira vez.

segunda-feira, dezembro 30, 2013

Da Dama de Bob ao Cavalo de Patrícia

Nos próximos dias, vou divulgar aqui no blog textostelona, as listas dos cinco melhores de 2013 em várias áreas e categorias. 

Vou começar pelas cinco melhores peças de teatro de 2013, às quais assisti e que não precisam necessariamente ser as melhores, pois algumas que poderiam melhores, eu não assisti, como é o caso de Medeia Vozes, do grupo Ói Nóis Aqui Traveiz. 

Então vamos às cinco melhores do meu ano, que passam por nomes como Bob Wilson, Kike Barbosa, Romeo Castellucci, Miguel Falabella e Patrícia Fagundes:

Crédito: Divulgação


1 - A Dama do Mar 


O espetáculo dirigido por Bob Wilson com atores brasileiros, com o texto de Ibsen, desconstruído por Susan Sontag. O esmero e a precisão técnica de som e luz de Wilson com interpretações primorosas de Lígia Cortez como Ellida e atores como Hélio Cícero, Ondina Castilho, Bete Coelho e Luiz Damasceno dourando o elenco. Um espetáculo que acentua o texto, as pausas, o silêncio e a dureza do cais insano de Ibsen. A estética é irretocável e a densidade dramatúrgica é rica. O ciclorama com tons de luz em azul e púrpura, muitas vezes o verde e o amarelo, as marcas de Bob, com a sonoplastia cortando abruptamente ou desenhando as cenas de Ellida com Arnholm, Dr. Wangel e o Estrangeiro. Espetáculo que alegra os olhos, os sentidos e a noção que temos da extensão do drama de Ellida em nossas vidas, do determinismo da vida com Wangel ou a liberdade de seguir com o estrangeiro, o triângulo norueguês que pode ocorrer no Brasil ou na África do Sul, universal ao extremo.

Crédito: Klaus Lefebvre

2 - Sobre o Conceito da Face no Filho de Deus  


Três cenas viscerais em 60 minutos, mas parecem horas, tamanha à repetição e o peso de casa gesto da encenação de Romeo Castellucci para a Societas Raffaello Sanzio apresentada no 20º Porto Alegre em Cena. Um velho se esvai em fezes em sofá e móveis totalmente brancos e o filho cuida com uma bondade e angústia. A segunda cena mostra crianças jogando granadas na figura de Jesus Cristo, são minutos que viram horas e finalmente a imagem gigante de Cristo é destruída. O naturalismo das cenas e o simbolismo contido em cada uma delas nos induz a pensamentos mil, alguns relacionados à dificuldade de se atribuir um poder muito grande à figura do Salvador, de Cristo, esta é uma reprodução do quadro do pintor italiano do século XV, Antonello de Messina. É um jogo teatral, mas é um jogo pesado, que questiona o Deus que deixa um pai sofrer e que coloca nas crianças a possibilidade de vingar, de renovar e de questionar filosófica ou ativamente os desígnios de Deus, do cristianismo e da vida como ela é. Tudo isto aliado a uma sonoplastia pesada, dos sons de granada. Um petardo, um soco na nossa cara cristã.


Crédito: Vilmar Carvalho


3 - Pequenas Violências - Silenciosas e Cotidianas  


O dramaturgo e diretor Kike Barbosa entrelaça cinco histórias de vidas pequenas e violentas, o possível terrorista, a mulher e o seu cachorro, o homossexual, o desempregado bêbado e a mulher que ama ou deixa, todos unidos por um mesmo prédio e um atropelamento e por outras pequenas violências cotidianas. Tudo isto na penumbra, com lanternas coloridas e o deslocamento pelo escuro, ilusões de ótica e uma trilha atordoantemente bem feita por Paulo Arenhart. As atuações estão todas coesas pelo quinteto formado por Cassiano Ranzolin (postura), Liane Venturella (versatilidade), Janaína Pellizon (presença), Rafael Guerra (limites) e Rodrigo Melo (mergulho). Deve ganhar novas temporadas em 2014 para que o público tenha acesso à doce loucura do dramaturgo Kike e a esta companhia madura e cada vez mais segura, que é a Stravaganza, de Adriane Mottola, que mostrou outra pérola neste ano, a fragmentada e pungente Estremeço.

Crédito: Paula Kossatz

4 - Alô Dolly  


Miguel Falabella costuma ter grandes acertos nestas adaptações de musicais da Broadway. No caso de Alô Dolly não foi diferente. O musical tem a sua força na história, que trabalha com aqueles desencontros e armações derivadas da commedia dell arte ou das comédias de erros e ganha força nos dois protagonistas, o encontro até então inédito nos palcos entre Falabella, como Horário Vandergelder, e Marília Pêra como Dolly Levi. Com cenários, figurinos e músicas extremamente bem arranjadas e também aqueles improvisos falabellianos, o caminho estava aberto para a viúva casamenteira dos anos 1890, no estado de Nova York, que é contratada pelo rico e mal-humorado comerciante de Yonkers para lhe arranjar uma esposa na cidade grande, em Nova York. Ela arma o encontro com Irene Molloy (Alessandra Verney), a dona de uma chapelaria, mas após armações e confusões envolvendo os noivos e os empregados dele, na cidade grande e Dolly vai tentar conquistar o bom partido. Dolly tenta casar Ambrósio Kemper com Ermengarda, a sobrinha de Horácio. Os figurinos de Fause Haten são belos e funcionais. São 29 atores em cena, cinco deles bailarinos, além de uma orquestra com 16 integrantes, sob direção musical de Carlos Bauzys, que dão força às interpretações belas de Marília e dos atores-cantores. Os cenários permitem a melhor movimentação cênicas, assinados por Renato Theobaldo e Roberto Rolnik, permeados com a iluminação top do Brasil, do grande Paulo César Medeiros.


Crédito: Mariano Czarnobai / PMPA


5 - Natalício Cavalo 


Por fim, chegamos à Natalício Cavalo, o segundo capítulo da Trilogia Festiva, da Cia. Rústica, dirigida por Patrícia Fagundes. A investigação de Patrícia adquire uma grande densidade a cada espetáculo, pois percebe-se a companhia toda mergulhada na pesquisa. Ao tratar da morte de um personagem tão forte, picaresco, imbuído do melhor espírito nativo, gaúcho, o grupo tem um acerto em desconstruir a história e apresentar de forma experimental, muito bem musicalizada, pela arte de Arthur de Faria e pela execução dos atores músicos. Rossendo Rodrigues é um Natalício em prosa, vestido com as roupas e as armas da figura mítica, memorializada pela Rústica. Quando pensamos em qualquer um destes atores em cena, lembramos de pelo menos um ou dois outros grandes trabalhos deles: Heinz Limaverde, Lisandro Belloto, Marcelo Mertins, Marina Mendo, Priscilla Colombi. Os figurinos de Daniel Lion estilizam o gaúcho e o personagem é apresentado em todas as suas nuances, amores, golpes, ameaças de morte e a morte propriamente dita. Um espetáculo para se rever, para atestar cada vez mais a competência desta companhia consolidada que é a Rústica.