domingo, fevereiro 09, 2014

UMA BUSCA FAMILIAR QUE EMOCIONA


Judi Dench e Steve Coogan em história inspirada em fato real<br /><b>Crédito: </b> Paris Filmes / Divulgação / CP
Judi Dench e Steve Coogan em história inspirada em fato real
Crédito: Paris Filmes / Divulgação 
De tempos em tempos, o britânico Stephen Frears nos brinda com um filme calcado em uma história de enlevo. “Philomena” é baseado na realidade de Philomena Lee, que, 50 anos depois, busca seu filho adotado por um casal norte-americano, auxiliada pelo jornalista Martin Sixsmith. No filme que segue em pré-estreia nos cinemas, o ator Steve Coogan interpreta Martin e escreveu o roteiro com Jeff Pope a partir de “A Criança Perdida de Philomena Lee”, de Martin Sixmith. 

Apesar de ser um filme agradável, com toques cômicos, Frears cutuca o período obscuro da Igreja Católica na Irlanda. Em 1952, Philomena Lee (Sophie Kennedy Clark) é uma jovem que tem filho em um convento. Lá, ela assina um papel liberando Anthony para adoção. Ele é adotado por casal americano e some. Cinquenta anos depois, Philomena (Judi Dench) começa a busca pelo filho, com a ajuda de Martin Sixsmith, jornalista desempregado e que resolve fazer matérias de interesse humano.

O grande tempero do filme - que recebeu quatro indicações ao Oscar, incluindo Filme e Atriz - está nesta relação que se estabelece entre Philomena, que tem um temperamento dócil e que não está acostumada com o luxo e a comida de graça nos hotéis, e Martin, um jornalista experiente, com um desdém pela religião, e com temperamento forte e muito cinismo. Pode-se dizer que Philomena passa a adoçar Martin, e ele, por sua vez, reconhece a fé e a crença da mãe em rever novamente o filho. 

Nesta jornada, os dois descobrem alguns furos na história que as freiras contaram. A busca de Philomena mostra nova atuação extremamente orgânica de Judi Dench que, aliada ao envolvimento total e intenso de Steve Coogan no projeto, faz deste um filme emocionante e sensível.

quinta-feira, fevereiro 06, 2014

SOLIDÃO A DOIS


No aniversário de São Paulo, dia 25 de janeiro, boa parte das matérias tratava da cidade como a capital da solidão, do infindável número de pessoas que vivem sozinhas. O mundo caminha cada vez mais para o isolamento. E Spike Jonze (“Adaptação” e “Onde Vivem os Monstros”) viu neste mote, aliado ao veloz avanço das novas tecnologias, uma boa história para contar, criando o roteiro e dirigindo a história de "Ela", sobre de alguém, que teve um trauma amoroso, e que se relaciona melancolicamente com as emoções reais e liricamente com as emoções fabricadas, como no emprego que tem de redator no cartas escritas à mão.com. Theodore Twombly (o sempre magistral para estes papeis sorumbáticos e melancólicos, Joaquim Phoenix) se apaixona pelo sistema operacional do seu computador, um novo equipamento com inteligência artificial e que parece ter emoções, suspira, tem livre arbítrio e é curioso por tudo, evolui a cada conversa (grande interpretação somente com a voz, como dublagens de desenhos animados, de Scarlett Johansson). O filme tem pré-estreias neste fim de semana e estreia nos cinemas no dia 14 de fevereiro.

Curiosamente, na hora de escolher a voz do seu sistema operacional, Theodore, quer uma voz feminina, pois as relações não reais atuais eram chats de sexo. Samantha é tudo o que um homem pode querer numa mulher, é inteligente, resolve os problemas de organização, lê um livro em centésimos de segundo e tem emoções que parecem reais, inclusive gemidos de orgasmo (que na voz de Scarlett Johansson se amplifica por mil).

As relações naturais passam distante dele, mas ele coloca o seu amor na escrita de cartas de bodas de 50 anos. O curioso é que a tecnologia permite ditar as cartas à mão. O reconhecimento de voz trazendo o passado, das cartas escritas à mão, escrever à mão, é escrever com o coração. Com uma trilha de Arcade Fire (When You Know You´re Gonna Die) e até a música criada por Samantha ao piano, The Moon Song (na verdade escrita por Spike Jonze e Karen O. e interpretada por Scarlett) e a recriação de uma cidade futurista, a Los Angeles dos sonhos, que é cinza, com prédios altos, um misto de Nova York e Shanghai, que inclui uma multitude de efeitos visuais, contrastando com as roupas em cores quentes de Theodore (vermelha e amarela), um homem sombrio que já foi alegre, por isso o pedido de calor ou o calor humano colocado nas cartas, como na das bodas de 50 anos de Chris e Loretta, quando ele escreve por ela para Chris: “Lembro do dia que me apaixonei por você.  Deitada nua ao seu lado naquele pequeno apartamento. Então percebi que eu era parte de algo maior. Como os nossos pais, Como os nossos avós. Antes eu vivia a minha vida como se soubesse de tudo. De repente, eu vi uma luz que me despertou. Esta luz era você”.:  .

Spike Jonze vai ao âmago da questão da solidão, do amor e do livre arbítrio, das escolhas humanas e de máquinas que se assemelham a humanos (alguma referência com HAL 9000 de 2001 – Uma Odisseia no Espaço pode ser vista no filme). Ele tenta quebrar a melancolia de Theodore (a escolha do nome não é por acaso, significa presente ou dádiva de Deus). Deus deu ao homem o livre arbítrio, a escolha de poder amar e de poder romper com este amor (que volta em flash backs) e também pode dar a uma máquina, a um sistema operacional o direito de escolher quem amar e a quem servir. As discussões são múltiplas e o texto tem sacadas absolutamente originais, como o fato de Samantha se questionar se os seus sentimentos são reais ou são apenas programação.





Enquanto escreve cartas à mão com um amor irrestrito, o protagonista amarga a dor da separação de Catherine (Rooney Mara) e se apega a uma amizade desde sempre, Amy (a sempre versátil Amy Adams, um recurso sempre interessante em filmes usar o nome do ator para o seu papel, como Adèle em Azul é a Cor Mais Quente). Ele tenta amar novamente, mas o encontro às escuras com uma mulher (a bela Olivia Wilde) cheia de manias e desespero por uma segunda ligação o fazer refletir sobre o vazio que pode estar no mundo sem Catherine e também sem Samantha. Um grande filme, um texto original, uma reflexão sobre a solidão a dois, sobre as escolhas, sobre o amor e os avanços da tecnologia e o isolamento que este mundo atual nos propõe. O filme é o Theodore para todos, um Presente de Deus, seja lá ele quem for ou como se manifeste. 

Que ele ganhe algum Oscar das cinco indicações, que seja o de Roteiro Original (prêmio Writers Guild Award na categoria), ou ainda para Filme (chance menor), Design de Produção (K.K. Barrett e Gene Sardena), Trilha Sonora Original (William Butler e Owen Pallett) e Melhor Canção Original ("The Moon Song"), grandes chances nestas duas últimas. Na torcida, para que este belo filme seja reconhecido pela Academia no dia 2 de março e que possamos ver Spike Jonze filmando a cada dois anos, no mínimo.