Críticas de literatura (textos) e cinema (telona) e também de teatro e música, quando necessário. Artes visuais somente para fruição. Alguma entrevista mais especial também terá vez.
domingo, dezembro 23, 2007
Davis contra Golias
Após a consagração silenciosa de Crash no Oscar, o roteirista e diretor Paul Haggis (autor do roteiro de Menina de Ouro, entre outros) passa a cavoucar as feridas da guerra mais recente envolvendo os norte-americanos, a do Iraque, no filme No Vale das Sombras (In the Valley of Elah). Utilizando excelentes metáforas como a cena em que o sargento reformado Hank Deerfeild (um cada vez mais econômico, porém não menos orgânico Tommy Lee Jones) ensina um salvadorenho a colocar a bandeira americana do jeito certo, pois de cabeça para baixo quer dizer que algo vai mal. E algo realmente vai mal na cabeça dos soldados que foram novamente para uma guerra sem sentido, tanto que em momento crucial do filme, Hank resolve reensinar o salvadorenho a colocar a bandeira de cabeça para baixo.
Nesta obra, Haggis baseia-se em relatos reais, construindo com Mark Boal a história de Hank (Jones), que é o pai do soldado Mike Deefeild, procurando as pistas de seu filho desaparecido. Para isso, vai até uma unidade de infantaria do Novo México investigar com os seus colegas de batalhão. Lá, as coisas tornam-se um pouco mais complicadas, pois o desaparecimento passa a se configurar no assassinato brutal que revolta Hank e sua esposa Joan (Susan Sarandon).
É na reconstrução da história com auxílio da detetive Emily Sanders (Charlize Theron) é que o filme ganha o fôlego necessário para se transformar numa obra densa, que questiona o pós-guerra (boa parte dos soldados voltam do Iraque com problemas de stress, drogados ou às voltas com o álcool, festas e prostituição). Se fosse só isso, nenhum problema, mas é que o verbo matar passa a ser conjugado de uma forma muito estranha e alguns códigos de guerra são quebrados, quando os itens são tortura de soldados iraquianos e morte pela morte.
Mike, o filho de Hank, não era nenhum santo e para se auto-afirmar na guerra passa a ter o “divertido” apelido de Doc, abreviatura de Doctor, o doutor que não opera, nem cura, mas comete algumas atrocidades como tortura. Haggis deixa claro que a sua crítica de guerra é o matar e o poder sobre a morte e as conseqüências sobre os envolvidos, como num interrogatório da detetive Emily (Theron).
O manto de bondade dos Estados Unidos da América caiu no final da Segunda Guerra Mundial. No filme de Haggis, com a fotografia mais áspera de Roger Deakins e a música de Mark Isham, fica evidente que os passos do bom cinema americano já estão deixando pegadas há muito tempo no solo de mocinhos do Tio Sam. A auto-crítica é uma das principais características do ser humano e também dos cineastas e dos artistas em geral. Bela obra de Paul Haggis, que se ergue como um dos grandes diretores autorais desta década, que novamente tem traços do recurso Magnólia/Crash, a música que integra partes do filme, que no caso é Lost, interpretada por Annie Lennox.
O lado fabular e moral da história do filme está no que seria o título original em inglês: No Vale de Elah, quando Hank não consegue contar uma história para o filho de Emily dormir, ele cita a clássica de Davi contra Golias, que derrubou o gigante com estilingue e pedras, no Vale de Elah, na Palestina. As pedras de Davi são as reestruturações das pessoas e das famílias envolvidas com as voltas dos soldados ou com as perdas dos seus filhos e como superar tudo isto numa guerra que vai matando aos poucos, por dentro, antes mesmo de uma granada ou um tiro de fuzil ecoar em solo iraquiano.
segunda-feira, dezembro 10, 2007
A morte do Ano
Ele estava terminando. O Ano estava se consumindo e nenhum remédio iria curá-lo. Da masmorra das suas memórias, conseguia lembrar de CPMF, do título do São Paulo, do desastroso primeiro ano governo Yeda Crusius, da Copa América, da violência urbana e outros pequenos estilhaços de uma existência pungente nas pessoas que nele viveram neste Brasil mais baixos do que altos. A gota letal seria de um lenitivo chamado Dezembro e que tinha como contra-indicações as Festas de Fim de Ano (uma espécie de velório antecipado) e o Natal (ah! esta cruel lembrança de um nascimento que ocorre no fim da vida do meu amigo Ano). Pronto, falei! Faltam 21 dias. Crônica de uma morte anunciada. Já estou vendo a São Silvestre (foto) na tevê e os fogos de artifício (estes ardis ideais de felicidade que nos queimas e consumem a todos, pois não dão esperança só as tiram). Todos esperam que o Ano se acabe. Eu queria ficar mais um pouco com ele. Dizer o que não achei certo para que ele pudesse corrigir alguns dos seus defeitos, o de ter nascido ímpar, por exemplo. Mas ainda não deu. O trabalho e cotidiano me impedem de pensar no Ano e de acompanhar atento o seu fim. Que todos prestem atenção na dor de um agonizante e que não me venham com festinhas, champanhe, porquinho, lentilha e mais fogos pelo Outro que vai nascer (não o Jesus, é claro, mas sim este Outro que também vão chamar de ano, apenas mudando o número). Eu sei que está acabando, mas vou ficar ao seu lado no leito de morte anual. E respeitem a minha dor!
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