A sensibilidade é uma característica essencial presente nos
filmes. A despeito da crescente digitalização, a exposição dos filmes
fotográficos ou cinematográficos à maior ou menor luz é caracterizada pela
sensibilidade da película. Assim como o tema da sensibilidade da película neste
mundo digitalizado, o passado está sempre pedindo para ser lembrado no
presente. Esta pode ser matéria da memória ou da história, até do inconsciente,
mas é importante revisitar os fatos da história, principalmente os traumáticos.
O cineasta alemão Robert Thalheim resolveu usar a
sensibilidade fílmica e de realizador para colocar nas telas uma das possíveis
abordagens sobre o massacre de 1,5 milhão de judeus nos três campos de
concentração de Auschwitz, no sul da Polônia. Em À Espera de Turistas (Am Ende Kommen Touristen) A abordagem do diretor é do ponto
de vista do presente. Um jovem alemão, Sven (Alexander Fehling, de Bastardos
Inglórios) resolve prestar serviço comunitário no Albergue da Juventude local
em vez do serviço militar. Ele vai cumprir todo o tipo de serviço, ajudar nas
atividades pedagógicas, ser guia, mas uma das suas funções será cuidar,
atender, ser o motorista de um dos sobreviventes do massacre, o Stanislaw
Krzeminski (Ryszard Ronczewski).
Nesta relação entre Sven e Krzeminski está o segredo do
argumento de Thalheim. No início, Sven conduz o judeu polonês para testemunhos
sobre o campo de concentração e não se envolve com nada. Ele ainda não entende
o que se passa neste local onde tantas coisas terríveis aconteceram. É apenas
um jovem prestando serviço comunitário. Com o passar do tempo, as
impertinências de Krzeminski passam a incomodá-lo. No carro, o dobrar à
esquerda ou direita, o acendedor de cigarros ou a fita cassete com músicas de
Schubert, alemão e não polonês como Chopin, são as exigências do velho
sobrevivente.
Mas Sven passa a se envolver, tanto com Krzeminski quanto
com Ania (Barbara Wysocka) , uma jovem guia local que lhe aluga um quarto. Ela nunca saiu de lá,
mas tem a chance de uma bolsa de estudos na Bélgica. Em alguns pontos, o
confronto entre o presente e do passado é maior. O primeiro grande embate
quando a empresa química alemã, maior empregadora local, chama o judeu para dar
o seu testemunho a estagiários. A diretora da empresa não assiste ao depoimento
e diz ao polonês que todos são muito gratos pela presença. Mais tarde, ela
explica a Sven, que é difícil para a geração dela se confrontar com o passado,
após interromper um discurso de Herr Krzeminski.
O ancião não quer sair de lá, mesmo que a família tente o
convencer a deixar o traumático local. Ele tem uma fixação em consertar malas.
As malas são um dos principais símbolos dos judeus mortos no local, são os
objetos que mais impressionam os estudantes que visitam o Museu do Holocausto.
Neste confronto do presente e do passado, com a sensibilidade de não julgar, de
não vilanizar e de tentar resolver um pouco a traumática equação que ainda
atormenta alemães, poloneses e o resto do mundo, mais de 60 anos depois, é que
esta produção de 2007 que tem estreia nos cinemas gaúchos nesta semana (no
Instituto NT) tem todos os méritos possíveis, talvez
por isso tenha sido selecionada para a mostra Un Certain
Regard, do Festival de Cannes e o ator Alexander Fehling tenha ganho o prêmio
de Melhor Ator no Festival de Munique. Sendo assim, considerem o filme uma
espécie de presente do tempo presente ao passado.
“À ESPERA DE
TURISTAS”
Am Ende Kommen Touristen, Alemanha, 2007, 85 minutos
DIREÇÃO: Robert Thalheim
GÊNERO: Drama
ELENCO: Alexander Fehling, Ryszard Ronczewski, Barbara
Wysocka, Piotr Rogucki, Rainer Sellien, Lena Stolze, Lutz Blochberger, Willy
Rachow