Antes de começar a discorrer sobre o deleite que foi assistir ao mais recente filme escrito e dirigido por Woody Allen, Para Roma com Amor, quero deixar bem claro que não é possível se estabelecer comparações com o filme anterior, Meia-Noite em Paris. Até porque acho impossível traçar comparativos entre Roma e Paris, que são duas cidades estarrecedoramente belas e apaixonantes, cada uma à sua maneira. Feita essa primeira consideração, vou me ater naquilo que Woody Allen fez aos nos remeter à visão do cineasta sobre Roma, quando pretende contar quatro histórias sobre romanos, italianos do interior que vão a Roma e
americanos na Cidade Eterna. Neste filme, Woody Allen foca nas questões de Roma e a comédia em torno do seu caos, da sua história, dos seus cidadãos.
São quatro histórias abordadas na tentativa de fazer a sua visão do Decameron, texto de Giovanni Bocaccio de 1350, as questões ligadas à sexualidade e à traição nos tempos romanos atuais. Já na introdução, este caos, esta desordem em meio à beleza milenar, aparece na condução do início da história por um guarda de trânsito que apresenta as histórias que serão contadas. Ele está ali junto ao Arco de Tito para organizar o trânsito e quando há um acidente, ele simplesmente grita um palavrão e a confusão está feita. Assim, os personagens vão aparecendo um a um com as suas respectivas histórias. A primeira é a de americana Hailey (Alisson Pill) que carrega um mapa e pede informações a Michelangelo sobre a Fontana Di Trevi. Ele se oferece para acompanhá-la e logo os dois já estão aos beijos, aproveitando o romantismo que é quase um clichê da Cidade Eterna.
O humor inteligente de Allen se oferece para o filme quando o próprio diretor - apelidado por mim aqui de cineasta infinito por ter inteligência, sacadas e humor inesgotáveis, apesar de parecer repetir sempre a mesma neurótica piada - entra em cena com o seu personagem, o diretor de óperas aposentado Jerry, que ouve uma mensagem sobre turbulência no avião da Alitalia que está chegando em Roma e demonstra todo o seu medo de avião (situação já descrita por Luis Fernando Verissimo na crônica "Emergência").
Roma e as histórias que capturam a alma da cidade e do seu povo aparecem com uma crítica a sociedade do espetáculo, apontada por Guy Debord, quando o personagem com uma vida ordinária, Leopoldo Pisanello (Roberto Benigni) vira famoso da noite para o dia. Sátira à imbecilidade e à fugacidade da fama fácil no mundo televisivo, o personagem de Benigni no começo se incomoda com o fato de os jornalistas lhe pedirem sua opinião sobre tudo e para dizer se gosta de dormir de frente ou de bruços ou o que comeu no café da manhã? Allen acertou e errou na escolha do ator, porque Benigni é um dos caras mais engraçados da Itália e ao mesmo tempo é considerado muito sem graça pelo público e crítica brasileiro por seus erros em filmes como Johnny Stechino e acertos em obras como O Pequeno Diabo e A Vida é Bela, este um pouco mais odiado pelos brasileiros por causa da vitória na disputa com Central do Brasil pelo Oscar de Filme Estrangeiro em 1999.
Bom, mas o filme segue e acompanha um casal que chega do interior, de Pernodone, na sempre cheia Stazione Termini, Antonio (Alessandro Tiberi) e Milly (Alessandra Mastronardi) que vão tentar a vida em Roma. Neste núcleo, Woody Allen observa muito bem outra característica comum aos italianos, que é a confusão ao dar informações. Milly simplesmente se perde pelas dobradas destra e sinistra e pontos de referência não-turísticos, enquanto Antonio recebe a visita de uma prostituta com "tutto pago", Anna (a sempre desconcertante Penélope Cruz, parceira de Allen em Vicky Cristina Barcelona). Esta história rende piadas um pouco previsíveis, mas o estilo comédia de erros ligada à traição acaba convencendo.
Representando a linha do fantástico e sensual, está a história do casal formado pelo estudante de arquitetura Jack (Jesse Eisenberg) e Sally (Greta Gerwig). Contando a onipresença do arquiteto John Foy (Alec Baldwin), Jack terá que resistir aos encantos da sedutora atriz Monica (Ellen Page), reeditando a parceria que deu certo em Juno com Eisenberg. O fantástico da história é que Foy saca que Monica quer seduzir Jack e desvenda os segredos de sedução da moça. Caem as máscaras, mas é impossível resistir aos encantos de Monica ("o nome exala sensualidade", comenta John Foy). Vários cenários engrandecem este romance, pois começa no bairro boêmio do Trastevere e segue por visitas ao Coliseu, o Fórum e as Termas de Caracala numa noite chuvosa (a mesma chuva que emociona em "Meia-Noite em Paris").
Por fim é importante comentar de quanto há de eterno na graça e ironias de Woody Allen quando faz piadas com o dinheiro, como quando está tentando convencer o pai de Michelangelo, Giancarlo (Fabio Armiliato) a ser cantor de ópera, pois ele tem um bom desempenho no chuveiro. Ele queria montar "Pagliacci", a ópera de Ruggero Leoncavallo, com Giancarlo, um cantor de chuveiro, que não aceita de modo nenhum o convite, com a família dizendo que ele canta por prazer não por dinheiro. Jerry, o personagem de Allen, responde: "dinheiro dá prazer, quando a gente acaricia as cédulas, elas são verdes, macias e onduladas". Importante ressaltar o timing cômico de Judy Davis que vive Phillys, a esposa psiquiatra de Jerry, que faz uma análise psicológica maravilhosa do fato de a aposentadoria de Jerry estar ligada à morte e ele querer que o agente funerário cante dentro de uma caixa (só não conto mais para não estragar a surpresa).
O filme é agradável, com aquele humor inteligente de Woody Allen que reedita em parte aquelas comédias de costumes e de erros de Allen nos anos 70 e 80, que tem algumas piadas sem graça e imperfeições, mas nada que prejudique o conjunto. A destacar também a trilha que privilegia a música "Nel blu dipinto di blu (Volare)", executada por Domenico Modugno e San Remo Orchestra na Piazza Di Spagna, além de trechos de óperas de Leoncavallo, Verdi e Puccini (como a clássica Nessun Dorma, de Turandot); e também a inclusão no elenco de expressivos atores italianos como a diva dos anos 70 e 80, Ornela Mutti (de Flash Gordon e Crônica de um Amor Louco), como uma atriz famosa, Pia Fusari, além de Francesco de Vito (o Pedro, de A Paixão de Cristo), Donatella Finnochiaro e Ricardo Scarmaccio, ambos de As Idades do Amor e Luca Calvani, de Quando em Roma.
Créditos: Paris Filmes / Divulgação