quinta-feira, janeiro 31, 2013

Os amantes do círculo bipolar




Como o agradável Juno já havia sido no Oscar 2008 aquele filme simpático com bom roteiro e muitas nominações (quatro), inclusive diretor e filme, o miss simpatia da vez é O Lado Bom da Vida, filme dirigido por David O. Russell (Três Reis e Procurando Encrenca), com roteiro adaptado pelo próprio diretor, a partir do livro homônimo (Silver Linings Playbook no original), de Matthew Quick. A empatia pelo filme rendeu a obra oito indicações ao Oscar, incluindo Melhor Filme, Diretor, Roteiro Adaptado, Montagem e também as nominações de atuação para Ator e Atriz aos protagonistas Bradley Cooper e Jennifer Lawrence e de Coadjuvantes para Robert de Niro (recuperando um pouco o seu way of act) e Jacki Weaver. Pode não levar nenhuma estatueta, mas será mesmo assim o filme que podemos ver tranquilamente, sem chamarmos de óbvio, meia boca ou sessão de tarde (os clichês dos clichês da crítica)

Para começar a traçar um apanhado crítico do filme, já digo que ele me pegou por motivos um tanto óbvios, como química entre os protagonistas e coadjuvantes, as tão amadas referências pop e cult, os elementos reais e simbólicos e o tema da bipolaridade (como leitura adicional sempre recomendo o livro Temperamento Forte, de Diogo Lara) que sempre é interessante num mundo onde 10% das pessoas são diagnosticados com a, digamos, enfermidade contemporânea. Haveria outros motivos, mas vou ficar nestes. Bom, vamos então à história e ao que eu gostei e não gostei do filme, cujo gênero seria a comédia romântica.



Como todo filme adaptado de livro começa e encerra com uma narração em off exaltando os domingos. O personagem Pat Solatano Jr.  (Bradley Cooper) sempre gostou do dia, pois a sua vida sempre foi marcada pelo futebol americano. O pai Patrizio (Robert de Niro) é um torcedor fanático dos Eagles da Philadelphia, paixão que passou para os filhos Pat e Jake (Shea Wigham). Este extravasar com o futebol se aplica na vida de Pat pai e também de Pat filho. O pai tem Transtorno Obsessivo Compulsivo e foi impedido de frequentar o estádio dos Eagles por uma briga. O filho, por sua vez, era bipolar, mas o seu diagnóstico só se confirmou quando ele quebrou a cara do amante da sua mulher Nikki (Brea Bee), quando eles transaram no chuveiro ao som da música do seu casamento: “My Cherie Amour”, de Stevie Wonder.

Sem ser profundo, o filme trata da reconstrução da vida de Pat, que passa oito meses preso em uma instituição psiquiátrica forense. Quando ele sai, tenta reconstruir a sua vida, mas passa a ter a obsessão em refazer o seu casamento. Aí começa a entrar toda a organicidade e a simpatia do filme, fora as referências. Numa das primeiras cenas do filme, ele acaba de ler Adeus às Armas, de Ernest Hemingway e invade o quarto dos pais injuriado pela morte da personagem Catherine quando tudo indicava que o livro teria um final feliz. Ele quer entender Nikki, que é professora de literatura inglesa.



Tudo muda no filme e nos níveis de atuação quando entra em cena a atriz Jennifer Lawrence, como a desajustada cunhada de seu melhor amigo Ronnie (John Ortiz), irmã de Verônica (a sub-aproveitada Julia Stiles). Desde o primeiro instante, a química dos atores e dos personagens fica evidente e o caminho para a reconstrução de ambos está traçado. Ao som de White Stripes, Led Zeppelin, Frank Sinatra, Bob Dylan & Johnny Cash, o filme vai ganhando corpo e os dois atores dão a intensidade necessária para que o romântico da comédia se estabeleça e o humor seja sustentado pelos coadjuvantes, com a lista engrossada pelo impagável Chris Tucker, como um divertido colega com distúrbios mentais.



Um filme que trata de um tema sério como a bipolaridade, um pouco superficialmente, que traz também a dança entra como elemento agregador, discute o amor em família e que traz o tema do fanatismo e das apostas para o viés cômico. Quando o assunto é dança, emociona o elo da cumplicidade e da construção de um sentimento pela dança (pinta um clima de Dirty Dancing) e principalmente a cena em que eles repetem os passos de Gene Kelly e Donald O´Connor no melhor musical de todos os tempos, Cantando na Chuva. Um filme para amantes de filmes, para amantes bipolares ou para quem só queira diversão. Pode não levar nenhuma estatueta contra gigantes como Os Miseráveis, Lincoln, Argo e Django Livre, mas vai agradar ao público, isto lá eu garanto.

Crédito de fotos: Paris Filmes / Divulgação



quinta-feira, janeiro 24, 2013

O bêbado e a alma equilibrista



Crédito: Paris Filmes / Divulgação

Quando o personagem Lancaster Dodd (Philip Seymor Hoffman), o líder de uma seita científica, comportamental e espiritual pergunta a Freddie Quell (Joaquin Phoenix) se ele conhece alguém que viveu toda a sua vida ser tem a necessidade de um mestre, está frutificando a semente jogada na terra árida da vida e dos espectadores pelo realizador Paul Thomas Anderson em “O Mestre” de que a interdependência entre pessoas, pais e filhos, mestres e alunos, chefes e empregados, marido e esposa, irmão mais velho e irmão mais novo, líder espiritual e seguidor e outras ascendências possíveis de uma pessoa sobre a outra parece ser uma das circunstâncias da vida mais normais do que pensamos.

Com dois atores que levam a arte de interpretar ao extremo trabalhando esta oposição entre o mestre e o pupilo desajustado, o filme traça o seu painel sobre a fundação de A Causa, nos anos 50, por Lancaster Dodd (Hoffman), que possui inúmeros seguidores, mas muito ceticismo. Num primeiro momento, o desajustado, o bêbado e sua alma equilibrista, Freddie Quell (Phoenix) são mostrados com fotogramas densos, esculpidos como um entalhe na tela, tanto que a trilha proposta pelo Radiohead, Jonny Greenwood, nos lembra o martelo no formão ou uma engrenagem, a raiz da loucura e do desajuste de Freddie, um marinheiro errante, que tenta mil trabalhos, inclusive a fotografia (neste ínterim o destaque é para o diretor de fotografia Mihai Malaimare Jr, o mesmo do inebriante “Tetro”). Por ironia, Freddie vai ancorar sua vida tempestuosa no barco onde estão os integrantes de A Causa (há uma proposital semelhança com a fundação da Cientologia por L. Ron Hubbard).

A partir daí, os diálogos entre o mestre e pupilo, o doutor e a cobaia e a evolução de A Causa permeiam o filme e mostram um experimento que se diz científico de Lancaster com Freddie, tentando utilizar seus métodos criados na hora de perguntas específicas e condicionamentos para que a alma equilibrista do ex-marinheiro se encontre e não fique à deriva por oceanos que se abastecem desde vidas passadas. Em uma das cenas mais fortes do filme, da fidelidade de Freddie a Lancaster, quando ele é preso por tomar dinheiro de uma contribuinte de Nova York, Phoenix literalmente quebra a cela da prisão e põe para fora uma raiva que, segundo Lancaster, atravessa séculos. Freddie grita, quase espumando pela boca: “Você mente, você inventa tudo isto, os teus filhos te odeiam” e Lancaster responde com uma pergunta: “Quem gosta de você, Freddie, quem? Somente eu. Só eu”. Em meio ao filme, a Causa aponta para uma ligação deles em vidas passadas.

Freddie também faz experimentos. Por ser bêbado inveterado, ele cria bebidas fortes, que usam desde thiner até antisséptico bucal. Um destes experimentos conquista Lancaster que fica mais criativo e pergunta o que ele põe na bebida: “Segredos!” é a resposta. Com uma atuação mais contida de Amy Adams como a esposa de Lancaster e uma trilha sonora primorosa que inclui "Dancers in Love", de Duke Ellington a “No Other Love”, de Jo Stafford e duas interpretações a capella de Philip Seymor Hoffman, o filme tem uma estética irretocável que investe no cromatismo dos anos 50, com destaque para os tons de amarelo em muitas cenas de Freddie.



O diretor e roteirista Paul Thomas Anderson com “O Mestre” mostra que sabe filmar os desajustados e os homens determinados e as decorrências de suas escolhas, as almas em busca de equilíbrio, senão vejamos três dos seus quatro grandes filmes anteriores a “O Mestre”. Excetuando Magnólia, criado à maneira de um filme-coral, em todos os outros “Boogie Nights”, “Embriagado de Amor” e “Sangue Negro”, são homens em busca de algum tipo de redenção, de um equilíbrio em suas almas, mesmo que à custa do sofrimento dos outros, como é o caso de Daniel Plainview (Daniel Day-Lewis).

 Um grande cineasta, um esteta, um maestro, um mestre em sintonia com as buscas da alma humana, as errâncias das almas equilibristas. Torçamos para que Joaquim Phoenix, Philip Seymor Hoffman e Amy Adams tragam para “O Mestre” pelo menos as três estatuetas Oscar na qual eles concorrem, pois este foi com certeza o filme mais injustiçado entre os indicados ao Oscar, muito mais do que “Intocáveis”, que não foi nominado a filme estrangeiro. Uma obra-prima não bem digerida pela academia hollywoodiana.


domingo, janeiro 20, 2013

Caçada real a Osama com ares de telefilme


Uma caçada que foi real a Osama Bin Laden. Um filme com intenção de ser um docudrama fiel, que resulta apenas em uma produção do cinema com ares de telefilme. Este é “O Homem Mais Procurado do Mundo”, um filme que deve ser assistido como documento histórico, não como cinema. Porém o filme, que tem o título original “Codename: Geronimo”, que era o nome dado ao terrorista na operação, tem o grande mérito de recriar com bastante exatidão as circunstâncias que levaram à invasão da fortaleza de Osama Bin Laden em Abbotabad, nas proximidades da capital Islamabad no Paquistão, na madrugada de 2 de maio de 2011, quase 10 anos após o atentado às torres gêmeas em Nova Iorque, que vitimou mais de 3 mil e abalou as bases da maior potência do mundo. Segundo fontes oficiais à época, foram mortas quatro pessoas, inclusive Osama e um dos seus filhos. 


Baseada na história real, a trama se foca na ação conjunta da CIA em parceria com um grupo de operativos das forças especiais do Exército norte-americano, os SEALs. A prisão de um homem no Paquistão leva ao mensageiro de Osama Bin Laden e a um local que passa a ser monitorado desde agosto de 2010. Em uma operação no Paquistão, dois agentes passam a monitorar a fortaleza, em busca de pistas que levem o governo dos Estados Unidos ao seu maior inimigo: o terrorista Osama Bin-Laden. 


Na mão do diretor de “Turistas”, John Stockwell, a história adquiriu um tom mediano, com os ares de telefilme já mencionados, mistura da séries “24 Horas” e “The Unit”, que utiliza aqueles caracteres digitados na hora para designar o local, o dia e a hora e a mostra do uso da tecnologia para rastreamento e identificação do terrorista. Ao mesmo tempo que o docudrama imprime ao filme uma boa dinâmica — mostrando alguns documentos confidenciais, além da voz e fotos exclusivas de Barack Obama nas semanas que antecederam a autorização ao ataque — quando o cineasta apela ao sentimentalismo do soldado que fica longe de casa 300 dias por ano, a obra descamba para uma pieguice sem fim, com repetição de fórmulas desgastadas e melhor utilizadas em filmes como “Soldado Anônimo”, de Sam Mendes. 



Crédito: Playarte / Divulgação

Soma-se a isto um elenco de segundo time como Cam Gigandet (Stunner), o líder de uma unidade dos SEALs; Anson Mount (Cherry); Freddy Rodriguez (Trench); Kathleen Robertson (Vivian), a agente de contra-inteligência da CIA, que persuade o diretor da CIA, Leon Panetta, a executar a operação. Destaque para a dobradinha de atores da série “Prison Break”, Robert Knepper , como o tenente que comanda a operação, e William Fichtner, como um agente da CIA. É um relato preciso da operação, mas sem alma. Esperamos ansiosamente pela versão de Kathryn Bigelow (do oscarizado “Guerra ao Terror”) com seu “A Hora Mais Escura”, que deve carregar a alma não contida neste filme.

sábado, janeiro 12, 2013

Quando a separação é um dilema




       As comédias românticas possuem estruturas arquetípicas que todos nós conhecemos e quando nos deparamos com a formula de sempre, o efeito é sempre bom, um mais do mesmo que agrada. Porém, quando a estrutura convencional é subvertida ou pervertida, conforme o depoimento da atriz, roteirista e produtora Rashida Jones, aí o resultado pode ser surpreendente, inteligente, refrescante, para usar uma palavra em voga na crítica norte-americana. Estou falando de Celeste e Jesse para Sempre, filme dirigido por Lee Toland Krieger, a partir de roteiro escrito a quatro mãos por Rashida Jones (filha de Quincy Jones) e Will McCormack, também ator e produtor da obra, amigos de longa data. O resultado é uma comédia romantica indie, que lembra muito alguns filmes dos anos 80, tipo A Garota de Rosa Shocking , por causa da trilha que vai Suzanne Kraft a Lily Allen, ou Harry & Sally – Feitos um Para o Outro, por causa do roteiro criativo e dos diálogos inteligentes.
    
     A ideia da dupla de roteiristas era exatamente tratar de um jovem casal, que cresceu junto e que se considera o melhor amigo um do outro, mas que aos 30 anos resolveu se divorciar e não quer perder esta amizade. Uma comédia sobre a desilusão é como Rashida e Will definem. Rashida é Celeste, sócia de uma empresa de mídia e tendências em Los Angeles, e Andy Samberg é Jesse (não confunda com o seu personagem anterior, o Eisenberg do Facebook, em A Rede Social), um artista gráfico meio desligadão que leva a vida na base do surf e do grupo de amigos, que não apressa a vida. Isto incomoda Celeste, que já tem uma vida estabelecida.

  
      O filme inicia do ponto de vista do casal que está há seis meses separado e encaminhando os papéis do divórcio, mas que faz todas as coisas junto. O pequeno ponto de virada inicial do filme é quando o casal de melhores amigos Beth (Ary Grainor) e Tucker (Eric Christian Olsen) resolve dar a real e dizer que é insano eles estarem separados e comportarem-se como almas gêmeas, isto numa cena em que eles imitam um casal com sotaque inglês, mas em outros momentos eles mostram esta cumplicidade extrema como quando eles pegam uma bisnaga de creme, pomada ou maionese e simulam uma masturbação.


      
      Sem querer criar um spoiler ou contar o que vai acontecer no filme, o interessante da discussão suscitada pelo filme é exatamente este rumo à maturidade, este desligamento do amor iniciado entre a infância e adolescência, o querer ser grande, como diria aquele filme protagonizado por Tom Hanks. Os amigos de ambos os aconselham a conhecer outras pessoas e Jesse sai na frente conhecendo uma bailarina chamada Veronica (Rebecca Dayan). Como Celeste quis a separação, esta notícia o deixa arrasada. Numa aula de yoga, ela conhece o analista financeiro Paul (Chris Messina) e tenta acertar no amor. 

      Com coadjuvantes de luxo, como o próprio Will McCormack que é Skillz, um traficante de drogas leves; Elijah Wood, como Scott,  o amigo gay de Celeste, e Emma Roberts, como Riley Banks, uma pop star supostamente descerebrada, o filme discute o ocaso dos relacionamentos e chegada da maturidade verdadeira, mas também a indústria da música, do marketing, como quando um logo de Riley Banks tem uma interpretação sexualizada, entre outros tantos temas desta geração dos 30 anos, mas que se aplica aos quarentões e cinquentões antenados. Uma comédia romântica interessante, com a fórmula que se aproxima mais do real do que do happy ending e que trata de forma leve, e ao mesmo tempo séria, do tema da separação.

Créditos das fotos: Paris Filmes

CELESTE E JESSE PARA SEMPRE
Realizado por LEE TOLAND KRIEGER
Escrito Por      RASHIDA JONES e WILL MCCORMACK
Musica            SUNNY LEVINE e ZACH COWIE
Fotografia       DAVID LANZENBERG
Montagem       YANA GORSKAYA
Estrelando      RASHIDA JONES, ANDY SAMBERG, CHRIS MESSINA, ARI GRAYNOR, WILL MCCORMACK, EMMA ROBERTS E ELIJAH WOOD

quinta-feira, janeiro 10, 2013

JUSTIÇA ATÉ O FIM




Bem-vindo mais uma vez monsieur Philippe Lioret, que já havia nos brindado com um filme "Bem-Vindo", que mescla drama pessoal com situação política, e que agora nos traz o drama pessoal, jurídico e econômico "Tudo o que Desejamos" que entra em cartaz nesta sexta, no Guion Center, em Porto Alegre. Novamente em parceria com o roteirista Emmanuel Corcol e com o ator Vincent Lindon, Lioret resolveu adaptar o livro "Outras Vidas que nâo a Minha", do aclamado escritor francês Emmanuel Carrère, que esteve na Flip, em Paraty, em 2011. A trama começa trágica, mas caminha para a redenção ou sublimação na vida da personagem Claire (Marie Gillain), uma jovem e idealista juíza de Lyon, na França, que tem por opção aplicar a lei para defender os menos abastados da gana de grandes corporações. No caso abordado no livro e também no filme, Claire vai julgar o caso da mãe de uma amiguinha da sua filha, que tem dívidas com financeiras. O drama financeiro e jurídico passa para o pessoal, quando Claire descobre um glioblastoma, um tumor cerebral agressivo, que se alastra e mata em poucos meses. 

A cruzada contra as financeiras será a última causa da vida de Claire, a justiça levada até o fim e eis que ela é indicada a um juiz veterano Stéphane (Vincent Lindon), que é um especialista no tema, além de ser técnico de rúgbi nas horas vagas. Deste elo entre estes dois personagens, que gravitam paralelamente aos seus respectivos marido e mulher, é que o filme ganha a força da luta por uma causa, das interpretações fortes da juíza que está morrendo e do juiz durão que se enternece pela jovem juíza, mas não sexualmente falando, mas pela luta, pelo idealismo há muito perdido.  Lindon já havia vivido um técnico de natação, que ajuda o menino curdo a atravessar o Canal da Mancha, em busca de familiares em "Bem-Vindo". 

O detalhe que pode passar despercebido num filme tão dramático não é a trilha, mas sim o som do filme. Philippe Lioret antes de ser roteirista e diretor foi engenheiro de som de filmes como "Uma Leitora Bem Particular" e "Romuald e Juliette". A captação de som casa magnificamente com o clima proposto por Lioret deixando o espectador identificado e ao mesmo confrontado com suas próprias mazelas, com suas dívidas, com a iminência da morte e da perda de entes queridos, quando o aflora este sentimento no marido de Claire, Christophe (Yannick Renier), e na mãe da amiga da sua filha, Céline (Armandine Dewasmes). A inclusão na trilha e na história da música ""On Saturday Afternoons in 1963", de Rickie Lee Jones, é mais outro elo interessante da história, pois aproxima os dois protagonistas e quebra as diferenças de geração entre eles. Um belo filme triste, pois a tristeza não é de todo ruim, quando se há uma causa a ganhar, quando se tenta levar a justiça até o fim. 


Foto: Guy Ferrandis

TUDO O QUE DESEJAMOS
(TOUTES NOS ENVIES/FRANÇA/ 2011/ 120 MIN/ 12 ANOS  
Direção: PHILIPPE LIORET
Roteiro: PHILIPPE LIORET, EMMANUEL COURCOL baseado no romance de EMMANUEL CARRÈRE
Fotografia: GILLES HENRY
Edição: ANDRÉA SEDLACKOVA
Música: FLEMMING NORDKROG
Elenco:
VINCENT LINDON (Stéphane),
MARIE GILLAIN (Claire),
AMANDINE DEWASMES (Céline),
YANNICK RENIER (Christophe)

domingo, janeiro 06, 2013

Unidas por um mesmo amor




Tudo o que se diz sobre o cinema argentino é que ele produz mais filmes bons do que ruins. Isto está correto. Enquanto o Brasil busca as bilheterias com comédias sem qualquer sentido, tipo "E aí, Comeu?" ou "Os Penetras", a Argentina tem buscado a bilheteria em temas cômicos, trágicos ou tragicômicos. Não há aí qualquer comparação, pois os grandes filmes brasileiros, no sentido arte e não bilheteria, quase não tem mercado fora dos festivais. Já os filmes argentinos que aqui chegam são sempre acima da média. Mas para que este papo todo, senão para dizer que "Viúvas", de Marcos Carnevale, é um destes filmes. 

A sutileza do diretor em tratar um tema banal, quase cotidiano, mas que tem uma certa mágica. A diretora de documentários Elena (a extraordinária diva argentina Graciela Borges) é avisada no set de filmagem que o marido Augusto sofreu um infarto. Ao chegar ao hospital com a amiga, assistente e durona produtora Esther (a impagável Rita Cortese), uma outra mulher, Adela (a segunda no meu ranking de atrizes argentinas, Valeria Bertucelli, que só perde para a Soledad Villamil), está zelando pelo marido infartado. No leito de morte, Augusto pede o impossível a Elena, que cuide de Adela, "pois ela não tem ninguém". 
  
O tom do filme a partir daí está instaurado. Adela vai tentar se aproximar de Elena, que a rejeita, mas depois acaba cedendo e tentando tratá-la como uma filha. Adela é aquele tipo garota interrompida, fruto de uma geração desesperançada, que faz tudo e nada, e não termina consegue terminar o curso de comunicação e nem manter o emprego como repórter de trânsito de uma rádio de Buenos Aires. Carnevale fotografa muito bem a Buenos Aires, alternando a câmera entre o mundo abastado de Elena e o mundo pobre de Adela, que mora num apartamento que era pago por Augusto no bairro chinês da capital argentina. 


Foto: Imovision

O drama se intensifica quando Adela tenta se suicidar e vai morar com Elena. Mais não posso contar, mas na casa de Elena vemos um personagem sui generis que é a empregada Justina (o debut cinematográfico do hilário Martín Bossi), um homem que trocou de sexo. Ela é fiel ao patrão, pois trabalha desde adolescente com o casal e também muito sincera, não se dobrando diante de Elena. A cara séria de negação quando Elena a manda fazer uma coisa e a fala em guarani quando não quer que a patroa saiba sobre uma conversa com um familiar dão o tom cômico de "Viúvas". 

O filme aborda de forma quase realista o drama de duas mulheres que amaram o mesmo homem e acaba falando de amor e não da traição, porque o amor é maior. Mesmo revoltada e triste com a traição de Augusto, quando perguntada sobre o que lembrava dele, Elena diz: "Ele era um cavalheiro, um homem que me dava segurança, que fazia eu me sentir bem, amada". Isto resume um filme que não julga a traição, mas que trata das consequências da infidelidade e do amor que ultrapassa as barreiras morais e sociais. Não por acaso, o documentário que Elena está concluindo "Chicas", trata de mulheres infelizes no amor. Mais um filme argentino acima da média. Que bom que as nossas distribuidoras, como a Imovision, estão atentas a estes lançamentos.

quinta-feira, janeiro 03, 2013

Alice na Paris das maravilhas



A fórmula para uma boa comédia romântica parece estar sempre pronta, com uma cidade apaixonante, locais que simbolizam o amor e uma história que relacione a cidade com o romance vivido, um monumento, um café, um bar, um rio, qualquer coisa deste tipo. É preciso dizer que existe um recheio necessário, algo intangível, uma coisa meio Nora Ephron, Rob Reiner, Garry Marshall (só para citar alguns nova-iorquinos da boa safra oitenta-noventista),  ou então Woody Allen. Em "Paris-Manhattan”, a cineasta Sophie Lellouche resolveu apelar para o ingrediente Woody Allen.

Alice Ovitz (personagem vivido pela homônima Alice Taglioni) é uma mulher bonita e apaixonada pelo seu trabalho como farmacêutica. O problema é que a paixão pelo trabalho não é proporcional ao seu interesse pelo parceiro ideal, pelo par romântico. Ela já está sendo chamada de solteirona, está ficando para titia, como dizemos aqui no Brasil. O principal refúgio emocional é o cinema de Woody Allen. Alice conversa com Allen (o voz em off do próprio diretor nova-iorquino que faz uma ponta presencial no filme).
Ela gosta tanto dos filmes e dos ensinamentos contidos em filmes como "Manhattan", "Tudo o que Você Queria Saber Sobre Sexo..." e outros, que chegando ao ponto de transformar a sua farmácia em uma mini-locadora de DVDs, pois prescreve os filmes de Allen para as pessoas que procuram a farmácia para curar os seus problemas.

Nas conversas com Woody Allen, alguns ensinamentos do diretor estão presentes, como um freudiano, de que as duas coisas mais importantes da vida são a escolha da profissão e do sexo ou então: "case e tenha cinco filhos". Por outro lado, Alice ignora os apelos familiares para que se case. Um dia, Victor (Patrick Bruel) aparece em sua vida. Numa das dezenas de festas para a qual é convidada e na qual o pai (Michel Aumont), judeu como Woody Allen,  tenta lhe arranjar um namorado. Victor é especialista em alarmes e é claro que o pai o contrata para instalar um alarme na farmácia de Alice. Ele desenvolveu um alarme diferente, que expele clorofórmio para adormecer o assaltante. Victor é inteligente, irônico e sabe tudo que está passando à sua volta, como descobrir quem trai quem e sua presença masculina a ajudar e ao mesmo tempo incomodar a vida sem sobressaltos de Alice. O seu único defeito para Alice é nunca ter visto um filme de Woody Allen. O seu primeiro é "Tudo o que Você Queria Saber Sobre Sexo (e Tinha Medo de Perguntar)". Ele se espanta com a cena de Gene Wilder com uma ovelha na cama, mas segue vendo os filmes de Woody.

Crédito: Vinny Filmes

O filme nos apresenta alguns signos interessantes de comédias românticas, como casais apaixonados dançando na rua, crianças correndo nas ruas, nos mercados e na própria farmácia, coadjuvantes que roubam a cena como Michel Aumont, como o pai glutão e judeu de Alice, Marie-Christine Adam como a mãe alcoólatra e também a irmã e o cunhado perfeitos (Marine Delterme e Louis-Do de Lencquesaing) e os clientes da farmácia, que apoiam Alice na sua loucura woodyalleniana.

A magia do filme está na vontade de Alice de estar em Nova Iorque, de viver cenas dos filmes de Allen e ao mesmo tempo estar passando por cenários que hipnotizaram Allen quando ele construiu "Meia-Noite em Paris". É difícil comparar a Torre Eiffel com a Estátua de Liberdade (esta construída originalmente em Paris) ou Central Park com o Jardim de Luxemburgo, Hudson com Sena, mas o certo é que Woody Allen traz Nova Iorque para Alice, mas também um pouco do romantismo inteligente, irônico e perspicaz, que a Big Apple proporciona. Mas se não estivermos em Nova Iorque, nós sempre teremos Paris, como Ricky (Humphrey Bogart) já disse a Ilsa (Ingrid Bergman), que foi tão bem parodiada por Allen em "Sonhos de um Sedutor" ("Play it Again, Sam"). A aparição de Allen no filme é para falar da importância de uma das pessoas envolvidas na história.

O detalhe de produção do filme é que a cineasta Sophie Lellouche sempre foi obcecada por Woody Allen e  que havia dirigido apenas o curta "Dieu, que la nature est bien faite!", em 1999, passou algum tempo tentando encontros marcados ou ocasionais com o diretor de "Meia-Noite em Paris", até que ele concordou em fazer esta ponta no filme. Uma comédia romântica de boa qualidade para começar bem o 2013