Nove filmes disputam o obscuro objeto do desejo de toda a
produção cinematográfica o Oscar de Melhor Filme produzido e exibido em 2012 no
mercado norte-americano. Desde que começou esta seleção mais abrangente,
passando dos tradicionais cinco para os nove ou dez filmes nunca houve consenso
e muitos filmes medianos acabaram entrando na lista e grandes obras
cinematográficas foram preteridas desta categoria, a principal, o foco de todas
as atenções.
Neste ano, está tão claro como a fotografia de um filme de
Wim Wenders que a abrangência da lista de nove filmes desconsiderou alguns
filmes que poderiam figurar no status e na nominação de Melhor Filme. O exemplo
mais crasso disto foi “O Mestre”, de Paul Thomas Anderson, alijado da categoria
principal e nominado somente em prêmios de atuação, apesar do brilhantismo da
obra de PTA como realização e como roteiro. Obras como Hitchcock e Anna
Karenina, que ainda não estrearam no Brasil, mereciam melhor sorte e talvez a
indicação na categoria principal no lugar dos dispensáveis A Hora Mais Escura e
Os Miseráveis.
Para abordar a categoria Melhor Filme e dar início às 24
horas pré-Oscar, vou fazer uma pequena análise, não mais que três ou quatro
linhas sobre cada filme indicado e externar a minha opinião crítica sobre os
nove filmes e um destino: a estatueta dos sonhos de todo o profissional
envolvido com cinema no mundo. Minha torcida é pela ordem para Argo, Django
Livre, Indomável Sonhadora e Amor.
ANÁLISE DOS INDICADOS A MELHOR FILME
ARGO – Grande candidato à conquista do Oscar. Ben Affleck
conseguiu neste filme dar o tom realista e o ritmo necessários para contar a
história de um grupo de agentes da CIA que se faz passar por produtores de
cinema, que irão filmar a ficção científica “Argo” para retirarem seis
funcionários da embaixada americana que estão impedidos de sair do Irã nos anos
70. Um grande filme, sério, e com uma fotografia que recria muito bem o clima
dos anos 70. Favoritaço.
AMOR – Uma das mais contundentes histórias de amor e dor já
filmadas. O austríaco Michael Haneke, com a sua capacidade de mergulhar no mais
profundo do ser humano, obteve dos seus protagonistas Emmanuele Riva e
Jean-Louis Trintignant o máximo de dramaticidade. A história por si só nos
conduz para os labirintos do amor e da finitude, quando Rose tem dois derrames
consecutivos e fica em estado vegetativo. Seria candidato, mas a academia não
deve premiar um estrangeiro.
DJANGO LIVRE – Quando o dentista/caçador de recompensas
gasta toda a sua verborragia para explicar por que precisa do escravo Django
para os irmãos Speck ou quando um atrapalhado esboço de Ku Klux Klan tenta
emboscá-los ou ainda quando Django vai buscar a sua Broomhilde, como o herói da
ópera de Wagner. Em todos estes contextos, Quentin Tarantino é um gênio do
roteiro e os seus filmes são uma aula de cinema. Django (Jamie Foxx) quer sua
vingança, Schultz (Christoph Waltz) o ajuda a tentar resgatar Broomhilde do
plantador de algodão e entusiasta de lutas de mandingos, Calvin Candie
(Leonardo DiCaprio). O banho de sangue que virá, esguichando à maneira thrash,
a mira certeira do pistoleiro, os diálogos cheios de alternativas, com um
elenco recheado de ótimos atores. Digo tudo isto para dizer que não seria
surpresa se Django Livre conquistasse o Oscar de Melhor Filme, mas a Academia
precisaria ter coragem, pois o meu prêmio de Diretor seria para Tarantino, mas
ele não foi indicado, assim como Paul Thomas Anderson.
INDOMÁVEL SONHADORA – Este filme seria o meu favorito
afetivo para a conquista do Oscar, pois pede um coração aberto ao espectador,
que se deixe levar pela emoção para acompanhar o universo da pequena Hushpuppy
(interpretada pela pequena Quvenzhane Wallis) que extrai reflexões filosóficas
acreditando num universo em equilíbrio entre a natureza e os seres vivos –
humanos e animais, na mesma Louisiana, sempre receosa de que uma nova
tempestade inunde tudo. Um filme que alterna realismo mágico e social e que
pega pelo coração. Pode levar prêmio de consolação para roteiro adaptado.
LINCOLN – Quando me acusam de não gostar de Steven
Spielberg, eu digo que ele faz um filme que eu gosto e outro que eu não gosto. Este
é o que eu não gosto. Mesmo com certo favoritismo a conquistar Melhor Filme
junto com Argo, é um bom filme quando o assunto é a política e o direito na
questão da aprovação da 13ª emenda da Constituição dos EUA e também quando
falamos do gigante em cena, Daniel Day-Lewis, favorito junto com Joaquin
Phoenix para o prêmio de ator. Quando falamos de cinema, de narrativa, o filme
se torna aborrecido, com uma primeira parte que tenta ser didática e não consegue,
mostrando Spielberg tentando algo em uma área na qual não domina, uma narrativa
bem calcada no real, mas enfim ainda é um bom filme.
O LADO BOM DA VIDA – Eu escolhi este filme de David O.
Russell como o Miss Simpatia do Oscar. Todos o acham bonitinho, mas não vai
levar nada de Los Angeles. Trata de uma forma séria e ao mesmo tempo
bem-humorada da questão da bipolaridade. Claro que Russell segue a cartilha
proposta pelo livro de Matthew Quick. As atuações do quarteto principal,
Bradley Cooper, Jennifer Lawrence, Robert de Niro e Jacki Weaver dão o corpus
preciso à obra, além das referências literárias e musicais a caras como Ernest
Hemingway e Stevie Wonder.
AS AVENTURAS DE PI – Um filme bom. Um diretor bom: Ang Lee. Uma
boa história. Dezenas de efeitos visuais e a magia do 3D bem explorado. Com
isto, poderia dizer que o filme tem alguma chance de ganhar o Oscar. A
narrativa explora aquele desgastado flashback de Piscine Patel contando a sua
história a alguém no presente. A aventura é incrível. Sobreviver meses num bote
com um tigre. É uma história de amizade e respeito. Acho que tem chance com os prêmios
de efeitos, som e desenho de produção.
OS MISERÁVEIS – A despeito da cena inicial quando Jean
Valjean (Hugh Jackman) precisa carregar sozinho o mastro com a bandeira da
França e o resultado fantástico da voz de Anne Hathaway em “I´ve Dreamed a
Dream”, o que o diretor Tom Hooper conseguiu com este filme foi apenas a
tentativa de trazer o musical baseado em Victor Hugo para as telas, com alguns lampejos de
grande filme e um resultado geral abaixo da média. Pode ganhar o Oscar de Canção
Original para “Suddenly”.
A HORA MAIS ESCURA – Este mais recente filme da oscarizada
com “Guerra ao Terror”, Kathryn Bigelow, poderia ter sido deixado da nominação
a Melhor Filme com toda a certeza. É um filme menor. Para mim se alçaria ao
posto de telefilme. Não há a mínima tensão na obra. Apesar das cenas de tortura
e de algumas partes da investigação do paradeiro de Bin Laden serem impactantes,
as 2h37min acabam sendo um rosário enorme para contar os 10 anos de investigação
para chegar ao líder do Al-Qaeda, morto no Paquistão em maio de 2011. Jessica
Chastain está irreconhecível, comedida demais, sem as qualidades que a fizeram
brilhar em Arvore da Vida e Histórias Cruzadas, como a capacidade expressiva e
dramática, por exemplo. Não merece nenhum prêmio. Talvez ganhe o de Roteiro
Original para Mark Boal.