Críticas de literatura (textos) e cinema (telona) e também de teatro e música, quando necessário. Artes visuais somente para fruição. Alguma entrevista mais especial também terá vez.
quinta-feira, março 28, 2013
A nau dos encalhados
O cinema português está mais prolífico que nunca e sobrevive além do seu incansável ícone Manoel de Oliveira, de 104 anos. Quando estive em Portugal entre novembro e dezembro de 2012, eram cerca de 10 lançamentos de filmes genuinamente portugueses, como "Operação Outono" e "Deste Lado da Ressurreição ainda inéditos no Brasil e "Aristides de Sousa Mendes - o Cônsul de Bordéus", este exibido em première na 9ª Seleção de Filmes Bourbon, realizada pela Panda Filmes, em novembro de 2012. Novamente, a Panda Filmes nos coloca em contato com produção portuguesa, co-produzida com Espanha, Brasil e Rússia. "América", dirigido por João Nuno Pinto, é um filme de náufragos, pessoas sempre à deriva, que vivem de pequenos golpes, principalmente no que tange ao acolhimento das centenas de imigrantes que desembarcam na nova América que é Portugal, um caldeirão de culturas e uma das portas entradas mais tranquilas da Europa rica na atualidade, já que França, Espanha, Itália e Alemanha apertaram um pouco o cerco aos imigrandes. O diretor João Nuno Pinto o define como um filme de "encalhados". A obra é baseada no conto "Criação do Mundo", da autora portuguesa Luísa Costa Gomes, co-roteirista do filme junto com João Nuno Pinto e Melanie Dimantas.
Com uma poética visual bastante própria e uma trilha sonora que gira entre o lírico e a tensão, "América" nos coloca na periferia de uma pequena cidade litorânea portuguesa, com a narrativa seguindo a voz em off de Liza (Chulpan Khamatova, de "Adeus, Lênin", melhor atriz da 11ª Semana de Cine Iberoamericano de Villaverde, Espanha, uma jovem imigrante russa, casada com um português, Vítor (Fernando Luís, ator carismático e que empresta uma grande organicidade ao papel), de quem tem um filho, Mauro (Manuel Custódia). Vítor é um trambiqueiro, como chamamos aqui no Brasil. A sua sina é enganar velhinhas e quando muito tirar 200 euros de algo ligado a previdência e a um dinheiro que está para chegar. Mauro, de uma hora para outra, resolve não falar e se comunica com olhares e com brincadeiras. Liza cuida da casa e da avó de Vítor, que se recusa a comer, mas que demonstra um carinho enorme por Liza, chamada de Popova por Vítor.
A primeira virada do filme se dá quando a espanhola Fernanda (María Barranco), ex-mulher de Vítor, reaparece propondo um negócio de falsificação de passaportes para os imigrantes ilegais russos, ucranianos, angolanos, brasileiros, entre outos. A partir daí, Liza perde o controle sobre a casa e o local passa a ser ponto de passagem para inúmeros imigrantes de várias raças e nacionalidades. Todos náufragos ou encalhados à procura de uma terra realmente firme. Com Fernanda, aparecem dois tipos especialmente estranhos, o espanhol Tolentino (Fernando Maestre) e o brasileiro Matias (Cassiano Carneiro, que atuou em filmes e novelas no Brasil como "Mandacaru"). Os dois dão o tom de humor necessário a um filme de erros. Enquanto Tolentino é o próprio tragicômico espanhol, parecendo egresso de um filme de Almodóvar, Matias dá a brasilidade e aquele humor ácido. Uma das principais piadas do filme é quando eles estão organizando a fila para encaminhar os passaportes falsificados e Matias pergunta: "Quem é africano? Então vai para o fim da fila. E quem é brasileiro? Vai para trás dos africanos". Outra piada que funciona é quando alguém pergunta o nome daquele artista famoso de Hollywood e alguém responde: "É o Denzel Washington" e ouve: "Não, é o King Kong".
A trama está cheia de viradas e acompanhamos Liza tentando fugir daquela realidade de encalhados, sem nunca obter sucesso, enquanto a situação fica cada vez mais crítica. Todos dependem do artista do grupo, o velho Melo (o veterano Raul Solnado, que faleceu no período de pós-produção do filme em agosto de 2009 e a quem a obra é dedicada) e também do cérebro dos golpes que é Paulo Armando (Dinarte Branco), que tem ideias para golpes virtuais, mas é um incompreendido. Para piorar, Liza se envolve com um ortopedista ucraniano Andrei (Mikahil Evlanov) e Vítor tem uma recaída com Fernanda. O filme ainda nos reserva cenas belíssimas da cidade litorânea (a locação é na Cova do Vapor, localizada no distrito de Setúbal, próximo de Lisboa, na junção entre o rio Tejo e o Oceano Atlântico), dos labirintos de ruelas onde Liza e Vítor moram, a força da chuva no outono/inverno português e algumas cenas meio Fellinianas, como um barco que encalha no teto da casa que é o centro da trama. A fotografia foi vencedora do festival Indie Lisboa, em Portugal. Além disto, a máfia russa também aparece, pois na vida real ela existe e está disseminada por toda a Europa, após o fim da União Soviética.
Um filme belo, bem-humorado e tenso ao mesmo tempo, que nos leva a pensar numa tragédia iminente, pois os fios que ligam os personagens a uma vida normal são muito frágeis. A mão do diretor está sempre presente, provando que João Nuno Pinto, que havia dirigido somente o curta "Skype Me" (2008) merece toda a nossa atenção daqui por diante, por mostra uma trama com tensão constante, belas imagens, bons atores e com uma narrativa que nunca perde o pique e o foco. Pinto recebeu dois prêmios de Melhor Diretor pelo filme no 15º Festival Sofia de Cinema Independente 2011, na Bulgária e no 5º Festival Cineport, no mês de setembro de 2012, em João Pessoa (PB).
“AMÉRICA”
PRODUÇÃO: Espanha, Portugal, Brasil e Rússia,
ANO: 2011
DURAÇÃO: 111 minutos
DIREÇÃO: João Nuno Pinto
GÊNERO: Drama
ELENCO: Chulpan Khamatova, Fernando Luís, María Barranco, Raul Solnado, Dinarte Branco, Cassiano Carneiro, Francisco Maestre, Mikhail Yevlanov e Jurij Ickov
segunda-feira, março 25, 2013
Eterno Retorno à Italiana
Antes de começar a entabular esta crítica, preciso dar um aviso, prestar um serviço de utilidade ao público. Se você é daqueles espectadores que está acostumado com as linguagens convencionais de narrativa cinematográfica, aquele esquemão básico de roteiro do Syd Field, com apresentação, confrontação e resolução, dois pontos de virada, anticlímax e clímax, com ação sustentada pelos diálogos e uma trama bastante visível para que você possa entender ou desvendar o filme, então nem se dirija ao cinema para ver o filme com coprodução da Itália, Alemanha e Suíça: "As Quatro Voltas", vencedor do prêmio Melhor Filme Europeu da Quinzena dos Realizadores de Festival de Cannes em 2010.
Filme que remete a algumas obras de Jacques Tati pela ausência de diálogos e a utilização do som direto e também o cinema contemplativo de Andrey Tarkovskiy, em filmes como "O Sacrifício", este segundo longa do italiano de Milão, Michelangelo Frammartino (o primeiro é "Il Dono", cuja tradução seria O Dono, agora ele já rodou o documentário Alberi), trata dos ciclos de vida, do tempo e da natureza e como o homem se insere nestes ciclos. O local é uma pequena aldeia com características medievais nas montanhas da Caulonia, na Calábria, no sul da Itália. Os ciclos são apresentados exatamente em quatro voltas que envolvem um homem (pastor de cabras), uma cabra, uma árvore e a fabricação do carvão, pois o sustento da região é carboneiro e também o carvão serve para aquecer as casas no frio calabrês. É uma espécie de eterno retorno de Nietzche com as formas de vida e subsistência da região. As quatro voltas são a humana, a animal, a vegetal e finalmente a mineral.
A poesia visual e a beleza narrativa de "As Quatro Voltas" é o que mais incomoda ao espectador que não se informou sobre o filme antes de entrar na sala. O primeiro quarto de narrativa da 1h28min do filme acompanha um homem (Giuseppe Fudda) que pastoreia as suas cabras e está muito doente. O tempo passa e os dias são exatamente iguais, os sons da pequena vila são dos cachorros, do vento nas árvores, uma voz ao longe, do balido das cabras e dos sinos de localização que elas carregam. O pastor acredita que o melhor remédio para a sua doença está na poeira acumulada no chão da igreja, que ele coleta junto a uma funcionária da igreja e mistura com água antes de dormir para beber. A poeira provavelmente vem das cinzas do carvão, o eterno retorno na mesma aldeia.
No dia em que ele perde o pó coletado, bate o desespero e ele recorre à igreja à noite, mas ninguém atende. Ele dorme preocupado e não levanta de manhã, quando um acidente faz com que as cabras se soltem e invadam a casa onde mora (uma cena na melhor linha de "O Anjo Exterminador", de Luis Buñuel, que era com ovelha numa sala). O ciclo do pastor está findando e o de uma cabritinha está começando desde o seu parto, o carinho da mãe até as brincadeiras e o acaso agindo para que ela se perca. No meio disto tudo, a comunidade segue suas tradições da encenação da Paixão de Cristo e os carboneiros que aparecem no início do filme são os centuriões (Bruno Timpano e Nazareno Timpano). Não há diálogos, só vozes distantes e a câmera contemplando as ações, inclusive o balido desesperado da cabritinha quando ela se perde e alcança abrigo numa árvore frondosa, um pinheiro. A volta dela também se finda e o que se vê é uma tela escura e as batidas com pás da feitura do carvão, um sinal de morte, mas de renascimento para o bem coletivo da aldeia.
A árvore frondosa enfrenta as quatros estações, o inverno e a neve, mas não se mantém diante de uma tradição calabresa de colocar no centro da aldeia um tronco altíssimo, a "Pita" (a árvore finalizando o seu ciclo) com ramos e balões no seu topo. Após a festividade que também pode ser associada à religiosidade (característica intrínseca a qualquer comuna italiana), á arvore vira lenha e vai alimentar a fabricação do carvão, que vai virar fumaça e irá para o ar da comunidade, num ciclo sem fim.
A poesia do filme reside em entender estes ciclos e se utilizar apenas da câmera contemplativa, sem a interferência do roteiro para apresentar os possíveis ciclos da vida numa comunidade onde os tempos modernos não chegaram, a vida segue sempre a mesma sina. De alguma forma é um eterno retorno à italiana (a visão deste outro pintor visual, casualmente também Michelangelo sobre a teoria de Nietzsche) ou então a doutrina dos ciclos (descrita por Jorge Luis Borges), como queiram, pois para quem acredita, quando um ciclo se finda ou uma volta é dada, outra se inicia, em espiral ou em círculos. Uma obra de exceção, que não é para todos. Público de blockbuster, mantenha-se distante ou saia nos primeiros 15 minutos, como várias pessoas o fizeram na sessão em que eu fui.
As Quatro Voltas
(Le Quattro Volte)
Diretor: Michelangelo Frammartino
Elenco: Giuseppe Fuda, Bruno Timpano, Nazareno Timpano.
Produção: Philippe Bober, Marta Donzelli, Elda Guidinetti, Gabriella Manfré, Susanne Marian, Gregorio Paonessa, Andres Pfäffli
Roteiro: Michelangelo Frammartino
Fotografia: Andrea Locatelli
Trilha Sonora: Paolo Benvenuti
Duração: 88 min.
Ano: 2010
País: Itália, Alemanha, Suíça
Gênero: Drama
Cor: Colorido
Distribuidora: Imovision
Estúdio: Ventura Film / Essential Filmproduktion GmbH / Ministero per i Beni e le Attività Culturali (MiBAC) / Eurimages Council of Europe / Medienboard Berlin-Brandenburg / ZDF Enterprises / ARTE / Invisibile Film / Vivo Film / Caravan Pass / Altamarea Film / Calabria Film Commission / Torino Film Lab / Regione Calabria / Cinecittà Luce / RSI-Radiotelevisione Svizzera
Classificação: Livre
quinta-feira, março 21, 2013
Cantar os amores é a sina de Djavan
Fotos: Fabiano do Amaral / Correio do Povo
O verbo
mais conjugado na noite desta quarta-feira, 20 de março, num Auditório Araújo Vianna
praticamente lotado foi aquele que Caetano Veloso parodiou na homenagem que
Djavan fez ao baiano em "Sina", música que encerrou o show no bis,
após 2h05min de sucessos, canções de "Rua dos Amores", o disco mais
recente de 2012 e uma interação invejável com a plateia que cantou todas as
músicas com o ídolo. Que verbo foi este: "Como querer djavanear o que há
de bom". Foi djavaneando que o público assistiu e participou ativamente do
show com 23 músicas, três no bis.
Aos
acordes da faixa-título do disco mais recente, "Rua dos Amores", às
21h11min, Djavan veio ao palco, com aquele lado meio crooner, meio dançarino,
cantando, dançando e girando com um terno branco e um instrumental de puro
balanço e romantismo, proporcionada pela super banda formada por Carlos Bala
(bateria), Glauton Campello (teclados e vocal), Jessé Sadoc (flugelhorn e
trompete), Marcelo Mariano (baixo e vocal), Marcelo Martins (flauta, saxofone e
vocal), Paulo Calasans (teclados) e Torcuato Mariano (guitarras e violões). As
duas músicas seguintes foram do disco novo, "Acelerou" e "Já Não
Somos Dois". Ao fundo um cenário feito de retalhos brancos, interagindo
com o light design de Binho Schaefer.
Com Asa,
Meu Bem Querer e Vive, o amor foi verbo transitivo direto. "Meu bem querer
é segredo, é sagrado e está sacramentado em meu coração". Quem, em sã
consciência, iria dizer que não sabe cantar este verso inicial. Ninguém. O
momento de maior emoção da noite foi quando Djavan sentou ao melhor estilo
banquinho e violão e antes de cantar "Bangalô", também do novo disco,
desabafou com voz embargada sobre a morte do cantor e amigo Emilio Santiago,
ocorrida nesta quarta: "A gente está tentando fazer o melhor neste show,
mas está um pouco triste, pois perdemos um grande amigo, cantor, pessoa boníssima,
Emilio Santiago". O público reagiu com palmas de dois minutos e Djavan
emendou: "Deus o receberá muito bem no céu, pois ele era um cara muito
bom". Depois, a voz de Djavan faltou em alguns tons de
"Bangalô". Emoção pela perda do intérprete de "Saigon", que
já gravou "Oceano", de Djavan, que foi a música seguinte. Com uma luz
azul cor de oceano e luz branca em ritmo de ondas sobre o público, o alagoano
deixou o coro de quase 3 mil vozes fazer a sua parte e entoar: "Amar é um
deserto e e seus temores / Vida que vai na sela dessas dores / Não sabe voltar
/ Me dá teu calor".
Desfilando
sucessos como "Flor de Lis" e "Serrado" com um embalo meio
MPB, meio jazz e sopros únicos de Marcelo Martins e Jessé Sadoc, Djavan chamou
o público para dançar em "Samurai" e as pessoas responderam, ficando
todos em pé e com grande parte acorrendo para a zona do gargarejo, onde Djavan
cumprimentava dezenas de mãos enquanto cantava. Depois, o sedutor cantor e
compositor atacou de "Seduzir" que cativou as mulheres, protagonistas
daqueles gritinhos nos intervalos entre músicas, tipo "lindo" e
"maravilhoso". Ele agradeceu, saiu do palco, mas voltou após quatro
minutos para um bis com três músicas, com as românticas "Nem um Dia" (quando chegou a errar a letra da música, mas já tá perdoado) e "Se", fechando com "Sina" a conjugação mais que perfeita
do verbo djavanear. "Obrigado pela acolhida maravilhosa. Porto Alegre é
mesmo uma cidade muito musical", disse um emocionado, maduro e cada vez
melhor aos 64 anos, Djavan.
terça-feira, março 19, 2013
O novo endereço de Djavan é a 'Rua dos Amores'
(Esta entrevista foi publicada originalmente na edição online do Correio do Povo e será publicada quarta-feira no caderno Arte & Agenda)
Crédito: Tomas Rangel / Divulgação
O cantor e compositor Djavan,
64 anos, estava há cinco anos sem compor, desde o disco “Matizes” (2007),
quando resolveu conceber ‘Rua dos Amores’, lançado em 2012. Sempre em busca de
algo diferente, Djavan havia proporcionado em 2010 o registro “Ária”, no qual
grava somente canções de outros compositores. Com aquele disco, foi premiado
com o Grammy Latino.
Das 13 músicas de Rua dos
Amores, pelo menos sete estarão no repertório do show de Djavan, marcado para
esta quarta-feira, dia 20, às 21h, no Auditório Araújo Vianna (Oswaldo Aranha,
685). Ele vai cantar o amor, mas sempre em
“busca de algo diferente” na sonoridade e arranjos. No repertório, além
das novas “Rua dos Amores”, “Vive” (gravada e cantada em show na Capital há
duas semanas por Maria Bethânia), “Pecado”, “Bangalô”, “Anjo de Vitrô“, “Já não
somos dois” e “Ares Sutis”, o músico mostra clássicas “Flor de lis”, “Meu bem
querer”, "Seduzir", "Nem um Dia", “Samurai” e “Sina”.
Djavan assina a direção do
show, que conta com cenário e direção de arte de Suzane Queiroz, light design
de Binho Schaefer e figurino de Roberta Stamatto. Ele estará acompanhado por
banda, retomando parcerias como com os músicos
Paulo Calasans (teclados) e Torcuato Mariano (guitarras e violões), além
de Carlos Bala (bateria), Glauton Campello (teclados e vocal), Jessé Sadoc (flugelhorn
e trompete), Marcelo Mariano (baixo e vocal), Marcelo Martins (flauta, saxofone
e vocal)
Pergunta – É
impossível não começar a entrevista sem perguntar sobre o disco “Rua dos
Amores”, que traz a marca de Djavan, mas uma sonoridade ousada e diferente dos
registros anteriores?
Djavan – Este disco veio
depois de ‘Ária’ (2010), que eu gravei com músicas de outros compositores, o
meu lado crooner. ‘Ária’ ganhou o Grammy Latino e teve grande repercussão, mas
desde o “Matizes” (2007) eu não tinha parado mais para compor. Achei que estava
com dificuldade para compor. A Maria Bethânia me pediu uma música e compus
“Vive” e as músicas foram saindo normalmente. O amor é o elo de ligação do
disco e do show, com as sensações, as emoções, a segurança, o medo relacionado
a este sentimento.
Pergunta – Conte-nos um pouco
sobre o show e o repertório. Quais são as músicas novas e as clássicas contidas
nele?
Djavan – Primeiro quero
dizer que será um prazer me apresentar no Auditório Araújo Vianna novo por toda
a história que ele carrega consigo. Do disco novo são sete músicas (Rua dos
Amores, Pecado, Já Não Somos Dois, Ares Sutis, Anjo de Vitrô, Bangalô e Vive).
Quanto às músicas de toda a carreira, serão muitas como “Sina”, “Seduzir”,
“Oceano”, “Samurai” e “Nenhum Dia”.
Pergunta – Tanto no disco quanto
no show, você retomou parcerias com alguns músicos. Fale-nos sobre esta
retomada.
Djavan – É uma retomada
mesmo. São os músicos com os quais toquei há muito tempo. Com o Paulo Calasans (teclados)
e o Carlos Bala (bateria) fazia mais de uma década. Mas a maioria dos músicos
são daqueles que dão alegria de estar junto no mesmo palco, como o Torquato
Mariano, o Marcelo Mariano, tenho o Jessé Sadoc no trompete, o Glauton
Campello, o Marcelo Martins. O nosso show, sem falsa modéstia, é empolgante por
isso. Os comentário e críticas que tenho recebido ratificam isto que estou
dizendo.
Pergunta – Estes 40 anos de
carreira cada vez mais atestam a maturidade do Djavan em todas as possíveis
funções dentro da música. Como você vê a ação do tempo na sua música?
Djavan – Lógico que o
tempo faz com que a gente vá lapidando. Em tudo o que a gente faz, inclusive na
música que é o meu ofício, a busca pela excelência é sempre constante. Na
música, eu tento transitar por todos os gêneros e também por todas as funções,
eu componho, canto, toco, faço os arranjos e a produção. Trabalho de maneira
íntegra, gosto de abraçar estas tarefas todas. A produção é importante para
sedimentar a tua ideia, de maneira própria. O disco foi muito feliz e o show
ratifica a felicidade do disco.
Pergunta – E sobre o público
gaúcho?
Djavan – O Rio Grande do
Sul é um estado que tem uma relação com a música, que é intensa e bem
detalhada. É bom você cantar para quem gosta de ouvir e tem um ouvido bastante
seletivo. O público gaúcho sempre cresce nos shows. Até na internet, o retorno
que temos do público do Sul é de pessoas que sabem o que estão ouvindo.
Pergunta – O que você ainda
persegue na vida ou na música?
Djavan – O meu foco é
sempre querer fazer algo diferente, algo que soe original. O que me mantém é
sempre a ilusão de que estou fazendo algo diferente, algo novo. Nem precisa ser
verdade, mas eu tenho que acreditar que está sendo.
domingo, março 17, 2013
A dama dos palcos, dos musicais, de Piaf a Amália
A atriz e cantora Bibi Ferreira, 90 anos, apresenta neste domingo, às 19h, no Teatro do Bourbon Country (Túlio de Rose, 80) o espetáculo “Bibi — Histórias e Canções”. A turnê iniciou por Porto Alegre, com show neste sábado à noite no mesmo local. O espetáculo conta com um repertório eclético dos 72 anos de carreira, passeando por compositores e intérpretes de Noel Rosa a Chico Buarque, de Edith Piaf a Amália Rodrigues e musicais da Broadway.
O repertório (veja quadro abaixo) é intercalado por histórias que nortearam a vida da grande dama dos palcos brasileiros. “São muitos anos de carreira, mas sempre com um mesmo pensamento: quando estou em cena, dou o meu melhor”, afirma. A atriz e cantora, com 90 anos, estreou nos palcos aos 27 dias de vida, em 1922, em “Manhãs de Sol”, de Oduvaldo Vianna, substituindo uma boneca. A estreia profissional foi em 28 de fevereiro de 1941, em “La Locandiera”, na Companhia de Procópio Ferreira, seu pai. Acompanhada por orquestra de 21 músicos, regida pelo maestro Flávio Mendes, a artista mostra toda a sua força dramática com um passeio por vários gêneros e estilos como MPB, fado, tango, musica clássica, temas de musicais americanos como “Minha Querida Lady” (adaptação de“My Fair Lady”, 1962) ou incursionar no universo de Edith Piaf do espetáculo “Piaf”,a Vida de uma Estrela da Canção (1983). A apresentação em Porto Alegre marcou o início da turnê e a escolha não foi por acaso. “Não é à toa que começo a turnê por Porto Alegre. É para marcar meu carinho pelo público gaúcho. Porto Alegre marca minha vida com grandes lembranças e a vida de meu pai também”, destaca.
Veja aqui no blog uma entrevista que fiz com Bibi no meio da semana, publicada inicialmente no Correio do Povo (edições online e impressa), na qual a dama dos palcos e ela fala sobre o espetáculo e as canções e histórias que norteiam a apresentação.
Pergunta - Bibi, por serem tantas e tão importantes canções e histórias, como foi a escolha do repertório? Bibi Ferreira - Nesse novo concerto, faço um grande passeio por grande parte da minha história. Pensando lá atrás, não posso esquecer da comédia “Diabinha de Saias”, entre outras tantas que fiz no momento inicial da minha carreira, que me fez conquistar um grande público. Depois vieram as revistas, e fiz muitas. Quando fiz “Escândalos”, nos anos 50, tinha em enorme palco giratório, um numeroso corpo de baile com vários bailarinos internacionais contratados, orquestra, muitas lembranças da Praça Tiradentes no Rio de Janeiro. E depois vieram as comédias musicais, que me acompanham até hoje. E todos os meus concertos sinfônicos, que amo fazer: 'Bibi in Concert 'I, II, o III que tinha o subtítulo Pop, depois veio o numero IV, depois veio o concerto de tangos. Neste espetáculo, canto canções ou faço alguma referência a todas essas passagens da minha carreira. Pergunta - Qual o sentimento de Bibi Ferreira ao olhar para trás e ver essa carreira tão sólida, respeitável e apaixonante? Bibi - São muitos anos de carreira, mas sempre com um mesmo pensamento: quando estou em cena, dou o meu melhor. Penso no que o público sente e por isso tenho uma interação tão grande com eles. O aplauso me incentiva, me emociona e me impulsiona. A cada momento quero dar o meu melhor. Embora tenha aparecido em cena no colo da minha madrinha aos 27 dias de nascida, minha estreia oficial acontece em 1922, ao lado do meu pai, o ator Procópio Ferreira. Dia 28 de fevereiro completei 72 anos de carreira. Claro que cresci nesse universo e eu sou resultado de tudo isso que vivi. Pai, mãe, tios, avós, padrinho, madrinha, todos artistas, cantores, atores, artistas de circo, e por aí vai. Sou muito orgulhosa com minha carreira e com os trabalhos que fiz. Meus trabalhos não passaram em branco. Tudo que eu fiz (estou batendo na madeira três vezes) sempre foi sucesso. O público sempre me prestigiou. Graças a Deus. Pergunta - Os gaúchos te adoram e lotam os teatros toda vez que você vem ao Sul.Como é cantar para o público do Rio Grande do Sul? Bibi - Não é a toa que estou começando a turnê por Porto Alegre. É para marcar meu carinho pelo público gaúcho. Sei que minha agenda para viajar é pequena, em função de outros compromissos, e são poucas as cidades que vou poder me apresentar. Não tem como não ir a Porto Alegre, que não só marca minha vida com grandes lembranças, mas a vida de meu pai também. Penso que vamos viver lindos momentos de arte e de muita emoção. Vamos rir bastante também. Será um grande encontro.
Foto: Studio Prime / Divulgação
Roteiro do Show
1 - ABERTURA
2 - MALANDRAGEM 3 - BY A WATERFALL 4 - SCANDALS 5 - MUSICAIS QUE FIZ 6 - MUSICAIS QUE NÃO FIZ 7 - MEDLEY ROMÂNTICO 8 - CUESTA ABAJO / ESTA NOCHE ME EMBORRACHO 9 - BRINDE TRAVIATA 10 - FIGARO 11 - SAMBA DE UMA NOTA SÓ 12 - MINHA PALHOÇA 13 - CONVERSA DE BOTEQUIM 14 - SUITE NORDESTINA 15 - GOTA D'AGUA / BASTA UM DIA 16 - LA VIE EN ROSE 17 - A QUOI ÇA SERT L'AMOUR 18- JE NE REGRETTE / HINO AO AMOR |
sexta-feira, março 15, 2013
Marisa Monte é ilusão, mas é de verdade
Marisa Monte cantou 22 músicas num show de luz e projeções |
Crédito da foto: Mauro Schaefer
Com show de sucessos, luz, projeções e cenários, cantora abriu turnê no RS, nesta quinta, 14, no Teatro do Sesi
Após 1h40min de show no Teatro do Sesi, com quase todos os sucessos e músicas novas do disco "O Que Você Quer Saber de Verdade" (o oitavo), totalizando 22 canções, declarações de amor por Cássia Eller, Arnaldo Antunes, Titãs e Porto Alegre, projeções em alta resolução de 17 obras de artistas plásticos, um espetáculo de design de luz e cenários, o que dizer da apresentação de Marisa Monte que abriu no Estado a sétima turnê da carreira da cantora "Verdade uma Ilusão"? Que Marisa Monte é uma ilusão, mas é de verdade, emociona e nos faz feliz, como na música que encerrou o show no bis "Seja Feliz", na qual diz para o público "curta a vida", "seja gentil", "seja legal". A cantora se apresenta novamente nesta sexta, às 21h, no Sesi e no domingo, 17, às 19h, será a vez do Teatro Feevale, em Novo Hamburgo, receber o show da turnê de Marisa.
O show teve início às 21h10min, com a execução de Blanco, seguida da faixa-título do mais recente CD "O Que Você Quer Saber de Verdade". As projeções tomaram conta do palco e de parte da plateia e uma fina tela transparente separava Marisa do público. Seguiram Descalço no Parque, Arrepio e Ilusión. A tela subiu, Marisa agradeceu o carinho de sempre do público gaúcho e executou quatro sucessos em sequência: Depois, Amar Alguém, Diariamente e Infinito Particular, com destaque aos arranjos para quarteto de cordas, executadas por Pedro Mibielli, 1º violino; Glauco Fernandes, violino; Bernardo Fantini, viola; e Marcus Ribeiro, cello). Mas foi com ECT, a música que ganhou vigor e característica de hino por Cássia Eller, mas de autoria de Marisa, Nando Reis e Carlinhos Brown ("Mas esse cara tem a língua solta / A minha carta, ele musicou / Tava em casa, vitamina pronta / Ouvi no rádio a minha carta de amor"). A confissão foi: "Eu amava a Cássia Eller. Ela era uma referência como cantora. Ela também era uma daquelas contradições entre a potência de uma voz e atitude no palco e a doçura como pessoa".
O show seguiu seu curso com sucessos como De Mais Ninguém e Beija Eu e ainda Sono Come Tu Mi Vuoi, música de Mina Mazzini, uma cantora de grande sucesso na Itália, que vive desde o final dos anos 70 longe dos holofotes no Norte da Itália, mas que gravou uma música de Marisa em parceria com Arnaldo Antunes, "Ainda Bem", sucesso de novela e tudo o mais, que a cantora executou logo depois de contar a história do seu desejo de gravar a música com Mina, mas a italiana adorou a música e a gravou sozinha, frustando o dueto fonográfico imaginado por Marisa Monte. A cantora apresentou a espinha dorsal da banda, os inseparáveis parceiros Dadi (violão de aço, guitarra, ukulele, violão de nylon, guitarra pignose) e Carlos Trilha (piano, teclados e programação), além do trio que faz parte da Nação Zumbi: Pupillo (bateria, caxixi, contra-tempo, bumbo, vassourinha, zabumba, pandeirola, pad), Lúcio Maia (guitarras, violão, guitarra slide, sitar) e Dengue (baixo), além do multi-instrumentista Dadi. Ao todo, nove músicos compõem a banda na turnê.
Seguiram outras clássicas como "Velha Infância" e "Gentileza", além de "Eu Sei (Na Mira)" e "Não Vá Embora", com a cantora falando da sua paixão pelos Titãs e por Arnaldo Antunes, outro eterno parceiro de composições. A cantora saiu do palco pela primeira vez, mas voltou acompanhada pelo seu ukulele para o bis. Aí chamou o público e pediu para que deixassem ela dizer uma coisinha: "Deixa eu dizer que te amo / deixa eu gostar de você / isso me acalma / me acolhe a alma / isso me ajuda a viver". E com "Amor I Love You", com o público já ficando junto ao gargarejo, cantando a plenos pulmões, com direito a uma fã fazendo a vez de Arnaldo Antunes a recitar um trecho de "Primo Basílio", de Eça de Queirós. O final foi com "Seja Feliz", com Marisa solta dançando e cantando e agradecendo a enorme equipe de produção que trabalha com ela e principalmente ao público gaúcho. "Tão longa a estrada / Tão longa a sina / Tão curta a vida / Curta a vida". E lá se foram mais de 1,5 mil pessoas curtir a vida após a verdade e a ilusão de Marisa Monte.
quarta-feira, março 13, 2013
A ópera dos dois tijolos
No dia do seu aniversário de 49 anos, o Auditório Araújo Vianna recebeu dois discos inteiros de presente de Ian Anderson e seu Jethro Tull atual: o clássico disco "Thick as a Brick", de 1972 e o insano e temporão, mas não menos rock progressivo ou ópera rock, como queiram, "Thick as a Brick 2", lançado em 2012, 40 anos depois do primeiro. Foram 2h30min de show, com 15 minutos de intervalo de uma execução que deixou embevecida uma plateia de pouco mais de 2,9 mil pessoas no Araújo Vianna, inaugurando a fase internacional de shows da tradicional casa de espetáculos incrustada no coração do bairro BomFim, o Parque da Redenção.
O multi-instrumentista da banda Jethro Tull, Ian Anderson, iniciou pontualmente às 21h, o primeiro show internacional do reformado Araújo Vianna, nesta terça-feira em Porto Alegre. O show da turnê comemorativa aos 45 anos de carreira da banda e de Anderson foi uma apresentação com muita identificação histórica com o Araújo e sua tradição no rock e rock progressivo.
O show percorreu o lendário álbum "Thick Is a Brick", com Florian Opahle (guitarra), Scott Hammond (bateria), David Goodier (baixo), John O'Hara (teclados) e Ryan O'Donnell (vocal). Anderson cantava alguns trechos das músicas, mas a sua garganta gêmea era o jovem Ryan O´Donnell, que também personificava os momentos cênicos da ópera rock, personificando um empregado que varre o palco ou então um padre. Todo o grupo, porém, fazia evoluções instrumentais, cênicas num show conceitual, reproduzindo a atmosfera insana e criativa de "Thick as a Brick".
Após um intervalo de 15 minutos, veio a execução integral de "Thick as a Brick 2", com destaque para “Banker Bets, Banker Wins”, com o telão reproduzindo moedas e notas, “Wootton Bassett Town” e a mais longa faixa “A Change Of Horses”. Após mais uma hora de show, foi a vez do próprio Ian Anderson, com o seu personagem no telão apresentar a banda e ela sair de cena para voltar em dois minutos e executar a clássica "Locomotive Breath", com o trem que não pode parar: "I thank God, he stole the handle / And the train, it won't stop going / No way to slow down / No way to slow down / No way to slow down / No way to slow down". Era o gran finale de uma noite memorável para o Araújo Vianna, no dia do seu aniversário, e para os gaúchos.
Set List:
1 Thick As A Brick
Intervalo
2 From a Pebble Thrown
3 Pebbles Instrumental
4 Might Have Beens
5 Upper Sixth Loan Shark
6 Banker Bets, Banker Wins
7 Swing It Far
8 Adrift and Dumbfounded
9 Old School Song
10 Wootton Bassett Town
11 Power and Spirit
12 Give Til it Hurts
13 Cosy Corner
14 Shunt and Shuffle
15 A Change of Horses
16 Confessional
17 Kismet in Suburbia
18 What-ifs, Maybes and Might-Have-Beens
19 Locomotive Breath
Crédito das fotos: Ricardo Giusti / Correio do Povo
terça-feira, março 12, 2013
Os Fab Four da ópera
Após o sucesso de Amor, de Michael Haneke, outro filme
extremamente maduro nos traz a questão de como lidar com a idade madura. O
Quarteto. O próprio diretor, por incrível que pareça estreante na régia, o ator
Dustin Hoffman está com 75 anos e disse não querer perder a chance de estar por
trás das câmeras. Na sua estreia, nos traz um filme sensível, musical e que
discute esta relação com o que devem ser os últimos anos da vida, neste caso
para músicos que decidem se retirar numa casa especializada para eles, a
Beecham House, nos arredores de Londres.
Desde o início, o filme mostra a expectativa dos idosos da
casa para um evento anual em benefício da continuidade do lar de músicos.
Liderados por Cedric Livingston (Michael Gambon, o Dumbledore de Harry Potter),
eles realizam extensas reuniões e ensaios, mas algo parece não estar dando
certo. A temática será relativa à Giuseppe Verdi.
Neste último lar de músicos aposentados, as grandes estrelas
são os cantores de ópera Cecily Robinson (Pauline Collins), Reginald Paget (Tom
Courtenay) e Wilfred Bond (Billy Connolly), apelidados de Cissy, Reggie e Wilf,
cada um com suas manias e traumas do passado. Eles protagonizaram a incrível
performance e gravação do “Quarteto”, do Rigoletto, de Giuseppe Verdi. Quando a
estrela maior, a diva Jean Horton (Maggie Smith), um conflito se estabelece,
pois ela teve um romance arrebatador e marcado pela infidelidade com Reggie e
os organizadores do evento beneficente querem tentar reuni-los novamente, mas não
é a vontade de todos. Será que os quatro fabulosos, Fab Four, utilizando uma
metáfora bem inglesa e beatlemaníaca, voltarão a brilhar juntos?
O que o filme nos apresenta são as lembranças de músicos que
tiveram grandes feitos e o impasse entre seguir em frente cantando e tocando ou
simplesmente aceitar que a vida está mais próxima do fim do que do meio. O
próprio diretor Dustin Hoffman disse que “se você chega a ter vivido três
quartos de século, há algo ofensivo nisso do ponto de vista da sociedade. Acabou,
essa é a atitude. Não tenho certeza de que a cultura tenha acompanhado os
indivíduos que, no que me diz respeito, ainda estamos no nosso segundo ato”.
Pois é exatamente esta noção de segundo ato, de grandeza na velhice, de que a
vida segue e segue a pleno, como na cena em que Wilf flerta ou passa uma cantada na doutora
Lucy Cogan, sabendo que não vai ter sucesso, mas mantendo a chama acesa. O
filme é baseado na peça homônima de Ronald Hardwood, autor que a adaptou em
roteiro para o filme.
O que mais emociona no filme é que a relação com a música
está presente o tempo inteiro e Dustin criou um set bastante musical, pois com
exceção do quarteto principal e de quatro ou cinco atores os músicos do lar são
músicos profissionais com a idade em que são apresentados na casa e apresentam
neste evento performances parecidas com as que o notabilizaram nos palcos.
Entre árias de “Rigoletto”, de Verdi, como a famosíssima “La Donna e Mobile”, a
“Brindisi”, de “La Traviata ”
e músicas de Schubert, Haydn, Puccini, na estonteante trilha de Dario
Marianelli (“Anna Karenina”) e o cenário deslumbrante do casarão Hedsor House,
em Taplow, já utilizado para filmes como “A Bússola de Ouro”, a emoção acaba
tomando conta do público, pois fica impossível não se sensibilizar com árias de
ópera, música clássica e a discussão às vezes séria, outras vezes bem-humorada
sobre o que fazer com a idade madura ou com o segundo ato das nossas vidas,
como bem definiu Dustin Hoffman.
Crédito de fotos: Diamond Films / Divulgação
quinta-feira, março 07, 2013
Carta de Amor no Oásis de Bethânia
Depois de dois adiamentos, um deles pela grande dor da perda
da mãe Dona Canô, Maria Bethânia mostrou para os gaúchos como se escreve uma
“Carta de Amor”, o título do seu show a partir do disco “Oásis de Bethânia”
lançado no início de 2012. Foram 33 músicas durante 1h35min, com direito a bis
de improviso. Para delírio da plateia que quase lotou o Teatro do Sesi,
Bethânia adentrou o palco às 21h05min desta quarta-feira, aos acordes de
Canções e Momentos, com os seus pés descalços, sua saia rodada e sua voz e pose
quase míticas. Sob a batuta do maestro e
pianista Wagner Tiso e diante de um cenário econômico e belo de Bia Lessa,
diretora do show, com as luzes que sobem de Tomás Ribas, Bethânia entoou ainda
Sangrando e Salmo, esta do mais recente disco.
Aos 66 anos, a cantora está cada vez mais enfeitiçante e
seguiu desfilando sucessos, não sem antes pedir desculpas pelos dois adiamentos
do show. “É a vida”, disse. Do mano Caetano Veloso, cantou “Não Enche” e depois
emendou com “Fogueira” e “Casablanca”, a canção de Roque Ferreira, do disco
Oásis de Bethânia, com o piano do mineiro Wagner Tiso e o refrão: Era sonhar /
Em preto e branco no cinema / será que Casablanca ainda vai passar? / Acho que
vou chorar, numa alusão ao clássico filme de Ingmar Bergman.
Com Calúnia, Negue, Olhos nos Olhos e Fera Ferida, novamente
do mano Caetano, Bethania contagiou o público que avistou o Oásis de Bethânia
com Barulho, romântica com o piano de Tiso pontuando as frases: “tudo relevo e
tolero / mas já falei que eu não quero / que me levante a voz, música sobre as
desavenças de um casal. Um dos momentos mais emocionantes do show foi quando
Bethânia cantou a música do português Pedro Abrunhosa: Quem me Leva os meus
Fantasmas, com uma luz suave azul e os dizeres: “Quem me leva os meus
fantasmas? / Quem me salva desta espada?
Quem me diz onde é a estrada?”
Bethânia saiu pela primeira vez do palco e do piso que
lembra um terreiro ou um local de oração ou de celebração à vida, com tiras
entrelaçadas artesanalmente, e deixou a banda com um set instrumental das
músicas Cais e Maria, Maria, de Milton Nascimento, com o também mineiro Wagner
Tiso (piano), Gabriel Improta (violão e
guitarra), Paulo Dafilin (violão e viola), Jorge Helder (baixo), Pantico Rocha
(bateria), Marcelo Costa (percussão) e Marcio Mallard (cello). Bethânia voltou
ao palco e executou de Em Estado de Poesia, de Chico César a A Nossa Casa, de
Arnaldo Antunes, em ritmo de xote.
Com Reconvexo, O Velho Francisco, de Chico Buarque, e Carta
de Amor, a cantora mostrou toda a sua força estranha. A música que dá título ao
show tem duração de quase oito minutos, um naipe percussivo que contagia, com
as luzes baixando ao nível de um terreiro, com a poesia de Bethânia,
entremeando a composição de Paulo César Pinheiro e a estrofe predominante: “Não
mexe comigo, que eu não ando só”. Com um medley de “Salmo” e “Canções e
Momentos”, Bethânia fechou o show, mas o público hipnotizado pediu bis e a
baiana trouxe Fernando Pessoa para o palco com Mensagem e a poética sentença
repetida pelo poeta que “todas as cartas de amor são ridículas”, pois “afinal,
só as criaturas que nunca escreveram cartas de amor é que são ridículas”. Com
as cortinas fechadas, o público pediu e ela voltou para fazer um bis de
improviso. Cantou “Explode Coração” com a conivência vocal da plateia, todos a capella, fechando com a clássica de Gonzaguinha, “O Que é, O Que é?.
“Viver e não ter a vergonha de ser feliz, cantar e cantar e cantar a beleza de
ser um eterno aprendiz”. Nesta noite, fomos todos aprendizes de uma baiana que
enfeitiça, hipnotiza, com a sua voz e a sua poesia, quando mergulhamos no Oásis
de Bethânia.
Foto: Mauro Schaefer / Correio do Povo
SET LIST
1 - Canções e Momentos
2 - Sangrando
3 - Salmo
4 - A dona do raio e do vento
5 - Não enche
6 - Fogueira
7 - Casablanca
8 - Na primeira manhã
9 - Calúnia
10 - Negue
11 – Barulho
12 – Olhos nos Olhos
13 - Fera ferida
14 - Quem me leva os meus fantasmas
15 - Cais / Maria, Maria (instrumental)
16 - Festa
17 - Dora
18 - A Lua Branca
19 - Em estado de poesia
20 - Guacira
21 - A nossa casa
22 - Marambaia
23 - A casa é sua
24 - Reconvexo
25 - Viola, meu bem
26 - Minha casa
27 - O Velho Francisco
28 - Carta de amor
29 - Escândalo
30 - Salmo / Canções e momentos
PRIMEIRO BIS:
31 - Mensagem
SEGUNDO BIS
32 – Explode Coração
33 - O Que é, O Que
é?
sexta-feira, março 01, 2013
O mestre e sua "Psicose"
Antes de poder fazer uma
crítica isenta, não contaminada pelo fascínio que nutro pelo mestre do suspense
Alfred Hitchcock, é necessário dizer que "Hitchcock" é uma história a
ser contada. Com erros e acertos, este seria um filme necessário para
cinematografia mundial. Disto isto, podemos partir para a análise do filme que
ao contar uma parte da história do cineasta, acerta na escolha do ator. Anthony
Hopkins se entrega de corpo e alma ao papel, apesar de a caracterização e
maquiagem estar um pouquinho equivocada, compondo um Hitchcock mais para
risível do que para suspense. É no riso
e em tentar mimetizar o efeito que Hitch exercia sobre as pessoas é que o
diretor Sasha Gervasi (roteirista do filme “O Terminal”) centrou o seu
trabalho, além de nos colocar dentro do clima do set de toda a concepção de um
dos maiores clássicos da filmografia do cineasta, “Psicose”.
O roteiro de John
McLaughlin (o mesmo de “Cisne Negro”) para “Hitchcock" é pontuado de diálogos
que gostaríamos de ter presenciado, entre Hitch e Janet Leigh (a sempre
desconcertante Scarlett Johansson), Anthony Perkins (James D´Arcy) e também com
o diretor de classificação de censura americana, Geoffrey Shurlock (Kurtwood
Smith) e também com o executivo da Paramount, Barney Balaban (Richard Portnow),
mas principalmente sobre a sua cara metade, Alma Reville (uma cada vez melhor
Helen Mirren) que teve sua vida (como muitas das mulheres de grandes nomes da
arte) um pouco eclipsada pelo culto ao gênio e também uma certa inveja que
Hitch tinha de outros diretores e das pessoas do meio artístico.
O filme mostra claramente
as obsessões do diretor, sua busca pela loira misteriosa, a persecução a uma
história diferente e inquietante. Na construção da narrativa, o diretor pontua
as ações de Hitch com algumas conversas imaginárias e sonhos com o próprio Ed
Gein (Michael Wincott), o autor do crime que inspirou o livro Psicose, que cai
nas mãos de Hitchcock após pesadas críticas da imprensa. Ele próprio havia
sofrido críticas pesadas, mesmo após o sucesso de “Intriga Internacional”, que
na época era o seu mais recente filme, abrindo aquele famoso buraco, aquela
crise do diretor em busca de algo que o inquietasse.
O drama psicológico está
bem estabelecido na coesão e dualidade entre a vida pessoal e profissional de
Hitch com a esposa Alma Reville, no vício da bebida, na compulsão por comida,
no empenho das suas próprias finanças para dar vida ao filme, já que os estúdios
duvidaram do potencial de “Psicose”. “Eles sempre querem que eu faça o mesmo
filme”, diz Hitch (Hopkins) em um determinado momento do filme a seu agente. A base para o
filme está no livro de Stephen Rebello: “Alfred Hitchcock and the Making of
Psycho”.
“Psicose” realmente sofreu
uma rejeição prévia, mas o gênio se destacava e insistia na história de Norman
Bates, o homem que desenterrou a mãe e virou um assassino serial. A principal reclamação prévia da Censura era
quanto à violência, nudez e insinuações sexuais. Numa das principais cenas do filme, Hitchcock
está furioso com a sua vida pessoal, por achar que Alma o está traindo com um
roteirista, Whitfield Cook (Danny Huston), e não está contente com os gritos de
Janet Leigh como Marion em “Psicose” na famosa cena do chuveiro. Assim, ele
mesmo empunha a faca e ela grita com o que parece ser um medo real. Foi
realmente um presente de Sasha Gervasi nos mostrar como poderiam ser os
bastidores deste filme que tanto preenche o nosso imaginário.
No elenco, temos outros
grandes atores, como Jessica Biel, que vive Vera Miles - outra das obsessões de
Hitch que passa para o segundo time das suas atrizes por ter ficado grávida
durante uma das suas produções –; Toni Collette, como a secretária de Hitch,
Peggy Robertson; Ralph Macchio, o karatê kid faz o papel do roteirista do
filme, Joseph Stefano; e Michael Stuhlbarg como o agente de Hitch. Um filme que
em certos momentos nos dá aquele clima da série para a tevê, Alfred Hitchcock
Presents, com Hitch aparecendo de terno preto no canto escuro da sua própria
casa e causando susto na própria mulher Alma, mas que nos brinda com a
possibilidade de imaginar como teriam sido os bastidores da vida de Hitch e das
filmagens do clássico “Psicose”, inclusive com o momento em que é gerada a
trilha para a cena do chuveiro, a montagem do filme e a impressão que a cena
causou no público da época.
HITCHCOCK
(HITCHCOCK/ EUA/ 2012/
DRAMA/ 99 MIN/ 12 ANOS)
Direção:SACHA GERVASI
Trilha sonora: DANNY
ELFMAN
Roteiro: JOHN J. MCLAUGHLIN
Elenco:
ANTHONY HOPKINS como
Alfred Hitchcock
HELEN MIRREN como
Alma Reville
SCARLETT JOHANSSON como
Janet Leigh
TONI COLLETTE como
Peggy Robertson
DANNY HUSTON como
Whitfield Cook
JESSICA BIEL como
Vera Miles
JAMES D'ARCY como
Anthony Perkins
MICHAEL STUHLBARG como
Lew Wasserman
RALPH MACCHIO como
Joseph Stefano
KURTWOOK SMITH como
Geoffrey Shurlock
MICHAEL WINCOTT como
Ed Gein
RICHARD PORTNOW como
Barney Balaban
WALLACE LANGHAM como Saul
Bass
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