terça-feira, abril 09, 2013

A vida é um palco e uma tela




Cineasta totalmente autoral, o francês Alain Resnais nos proporcionou pelos menos duas pérolas da ficção poética como "Hiroshima, Mon Amour" e "O Ano Passado em Marienbad", além do difícil filme duplo ou espelho como  "Smoking/No Smoking" e do excelente musical "Amores Parisienses". Aos 90 anos e casado com a atriz Sabine Azéma, Resnais está longe da senilidade e segue o caminho inventivo que acompanha os cineastas autorais franceses. Em "Vocês Ainda Não Viram Nada" que estreia nos cinemas neste final de semana, o ponto de partida é o último desejo de um diretor na hora da sua morte. Baseado no livro "Eurídice", de Jean Anouilh, este drama dramatúrgico - é assim redudantemente que o batizo - tem como início o assistente (o ator polonês Andrzej Seweryn) do diretor e dramaturgo Antoine d´Anthac (Denys Podalydès, da Comédie Française), ligando para cada um dos atores que já interpretaram a peça Eurídice, do próprio d´Anthac. Ele liga, diz alô e pergunta se a pessoa é Sabine Azéma, comunica que lamentavelmente o senhor Antoine d´Anthac faleceu e que ela é esperada na suntuosa casa dele no alto de uma montanha em Peillon. Assim também recebem as ligações em telefones celulares ou convencionais, os atores Pierre Arditi, Mathieu Amalric, Michel Piccoli, Lambert Wilson, Anne Consigny, Hippolyte Girardot, Jean-Noel Brouté, Anny Duperey, Jean-Chrétien Sibertin-Blanc e Michel Vuillermoz.

Lambert Wilson, Anne Consigny, Mathieu Amalric, Sabine Azéma e Pierre Arditi


Assim como os mesmos planos cinematográficos repetidos a cada ligação do assistente do dramaturgo e o consequente atender ao telefone de perfil, a chegada à mansão em Peillon é feita ao melhor estilo Resnais, com a câmera no mesmo ponto, centralizando o abrir da porta, com o vento forte lá fora e a porta se abrindo, com o assistente apresentando a casa a cada um dos atores, que ali vivem eles mesmo como atores que interpretaram a Eurídice do dramaturgo falecido. Cada um dos atores destaca o gosto e o colecionismo de Antoine pelas casas exóticas. Após a chegada de todos e os respectivos cumprimentos de pessoas que não se viam há tempos, o assistente dispõe todos os atores defronte a um telão, que é recoberto por um quadro que reproduz a visão externa da casa onde eles estão. No telão, Antoine d´Anthac enfatiza que recebeu de um grupo iniciante a Compagnie de La Colombe (Companhia da Pomba, traduzindo do francês) uma versão em vídeo da montagem de Eurídice e que se eles estão assistindo à montagem neste momento é porque ele já está morto e pede que eles aprovem ou não a montagem.

Alain Resnais (D) com os atores vivendo eles mesmos e os personagens 


O que acontece a partir daí é a mágica da metalinguagem e da interação tela/palco/vida. O telão reproduz o drama de Eurídice (baseado na lenda grega do Orfeu), que está dividida entre o amor de três homens, um deles é Orfeu, que tem uma relação intensa com a música e que deixa o pai na estação para fugir com Eurídice para um hotel em Marseille. Os atores como Sabine Azéma/Anne Consigny e Pierre Arditi/Lambert Wilson, que viveram Eurídice e Orfeu nas montagens de d´Anthac assistem inicialmente à montagem do grupo iniciante, balbuciando os textos e depois interagindo com o telão, até trazerem a trama para a casa em Peillon. Nos três atos da história, a dramaticidade do texto transita entre a casa e o telão e entramos dentro de uma experiência metalinguística incomparável. Revivendo os papéis interpretados na tela pelos jovens atores, os veteranos mexem com o seu passado, com o seu fazer teatral e também com a própria identidade de atores vivendo eles mesmos interpretando uma peça que também tem uma correlata no telão. Resnais cria o seu universo teatral e a partir daí acompanhamos um teatro onde a vida, o palco e a tela perdem suas fronteiras.

As interpretações de outros gigantes do teatro e do cinema francês como Michel Piccoli, Hippolyte Girardot, Mathieu Amalric e Anny Duperey, pontuadas pela trilha densa e precisa de Marc Snow e pela fotografia que privilegia as mudanças de luz e os interiores dos cenários, dão ao filme uma intensidade que não precisa ser marcada pelo ritmo veloz, mas sim pelo metrônomo de uma montagem teatral. A reviravolta existente no final é impossível de ser contada, pois atrapalharia a surpresa apontada por Resnais, mas posso adiantar que é dramática, como o próprio Resnais, como o personagem de Antoine d´Anthac e como o filme requer, pois estamos diante da nata da atuação na França, cujos prêmios de atuação todos somados chegariam a duas ou três centenas de troféus. Um filme para se deixar levar, para sonhar, para interpretar, para ver e rever, para transpor as fronteiras e os limites entre a vida, o teatro e o cinema. Imperdível como qualquer filme de Alain Resnais.

Eurídice (Azéma) e Orfeu (Arditi)



VOCÊS AINDA NÃO VIRAM NADA
(VOUS N'AVEZ ENCORE RIEN VU/ FRANÇA / 2011/ 115 MIN/DRAMA/ 12 ANOS)
Direção: ALAIN RESNAIS
Roteiro: ALAIN RESNAIS (baseado no livro de JEAN ANOUILH )
Fotografia: ERIC GAUTIER
Edição: HERVÉ DE LUZE
Música: MARC SNOW
Elenco: MATHIEU AMALRIC,
PIERRE ARDITI,
SABINE AZÉMA,
MICHEL PICCOLI,
LAMBERT WILSON,
JEAN-NOËL BROUTÉ,
ANNY DUPEREY,
ANN E CONSIGN,
HIPPOLYTE GIRARDOT,
GÉRARD LARTIGAU,
DENIS PODALYDÈS


terça-feira, abril 02, 2013

A energia e a irreverência do The Hives


Podem existir bandas melhores e musicalmente mais elaboradas do que a sueca The Hives, mas dificilmente um grupo de rock terá tanta energia e irreverência quanto aquele liderado pelo vocalista Howlin´ Pelle Almqvist. Durante uma hora e meia na noite dessa segunda-feira, dia 1º de abril, no Opinião, em Porto Alegre, o conjunto fez cantar, pular, sentar, gritar em 17 músicas, enlouquecendo os mais de mil fãs que praticamente lotaram a casa de espetáculos. 


A noite realmente prometia, pois a abertura foi da banda australiana The Temper Trap, que se apresentava pela primeira vez na Capital. Durante quase uma hora, a banda liderada pelo indonésio Dougy Mandagi mostrou a sua mistura de rock e pop dançante, bem ao estilo indie, com belas músicas como "London´s Burning", "Rabbit Hole", "Trembling Hands" e "Drum Song".




O relógio marcava 21h45min desta segunda-feira, quando, acompanhados pelos roadies ninjas, Howlin’ Pelle Almqvist (vocais), Nicholaus Arson (guitarra), Vigilante Carlstroem (guitarra), Dr. Matt Destruction (baixo) e Chris Dangerous (bateria) entraram com seus indefectíveis fraques, coletes, camisas e cartolas em preto e branco. A música escolhida para iniciar a apresentação foi "Come On", seguida por "Try It Again" e duas do disco mais recente, o quinto de estúdio, de 2012, "Lex Hives" que foram "Take Back the Toys" e "1000 Answers".


Com Howlin´ Pelle utilizando todo o seu repertório de palavras em português, tipo: "Obrigado, Porto Alegre", "gritem", "cantem" e "aplaudam" e jogando o microfone para o alto, jogando-se para a plateia, subindo no cubo de retorno e na bateria, a banda arrancou o primeiro êxtase da noite, quando executou a clássica "Main Offender", mas após músicas como "Wait a Minute" e "Die, All Right!", veio a vez de "Hate to Say I Told You So", com o público gritando a plenos pulmões: "because I wanna" e levantando as mãos para o alto.




Após uma pausa de uns minutos, a banda voltou para o bis com a nova "Go Right Ahead", Insane" e a mais do que hit "Tick Tick Boom", que durou mais do que 15 minutos, pois Howlin´ Pelle apresentou a banda, que havia tocado em Porto Alegre há uns dois anos e encerrou pedindo para as pessoas sentarem e levantarem numa explosão de alegria. O vocalista agradeceu a troca de energia: "vocês são um dos públicos mais incríveis que já tivemos", voltando pelo menos duas vezes para agradecer a galera.

Fotos: Luiz Gonzaga Lopes