quarta-feira, abril 28, 2010

O Coração Louco de quem vive as glórias do Presente



Eu não vivo da glória do passado. O João de Ricardo talvez viva, apesar de que ele é totalmente futurista na concepção da sua pesquisa em performance art O Homem que não Vive das Glórias do Passado, junto com o co-diretor e videomaker Bruno Gularte Barreto. Jeff Bridges teve muitas glórias no passado com Pescador de Ilusões, Sem Medo de Viver e Susie e os Baker Boys. Mas a maior delas foi com Coração Louco, com o qual conquistou o Oscar de Melhor Ator. O coração louco de João e Bruno nos coloca dentro de um mundo absurdo, adaptado de um conto de Bruno, aquele onde um homem é bem-sucedido, com fórmulas milagrosas, mas se vê trancafiado em seu apartamento, enquanto todas as mulheres do mundo estão mortas. O personagem Bad Blake no filme roteirizado e dirigido por Scott Cooper não tem mulheres mortas em sua volta, mas ele mesmo flerta com a morte, enquanto as mulheres ainda celebram a glória do seu passado.

A tecnologia, as imagens em profusão e a luz manipulável, ao alcance do performer/ator/diretor João de Ricardo, concebida por Carina Sehn, são na verdade o alicerce de uma multiplicidade criativa que coloca o espetáculo da companhia Espaço em Branco num patamar diferente, que não pode ser analisado à primeira vista. Não pode ser enquadrados por críticos tradicionais, destes que escrevem há séculos nos jornais da cidade, nem por outros ferozes, que destilam veneno em seus comentários. O Bad Blake de Bridges também sofre este preconceito. Vive de shows com canções antigas, das glórias do passado, mas se compusesse algo novo, o seu pupilo Tommy Sweet (Colin Farrell), um cantor country de sucesso o gravaria e ele veria de novo a cor do dinheiro.

O homem de João de Ricardo não quer saber disso. Ele quer saber de Bob Wilson e de Zé Celso. Da linguagem desnudada, do amordaçar com fita durex ou crepe, de conduzir duas dúzias de pessoas do público até o camarim e contar como se estivesse em um bar como é a sua vida, as suas experiências e como ele chegou até ali. Já no palco, novamente Carina, aquela que quer ver a luz ser tocada, chama cada um da assistência para sair do palco pelo nome e pela data de sua morte, aquela onde ele vai assistir ao espetáculo, sentado confortável e incomodamente diante de um homem em profunda transe, furor e algum questionamento, com uma riqueza estética ímpar.

Blake/Bridges foi toda a sua vida uma pedra rolando, ao som do country, mas encontra um amor, uma mulher que não está morta, a jornalista Jean (Maggie Gyllenhaal) e ela lhe dá um sentido para viver junto com seu filho pequeno. O cantor decadente, que ainda vive das glórias do passado, que bebe, fuma, está à beira do câncer e de outras doenças, acaba por ter uma razão para viver e até o distanciamento dela o faz compor. Como se o homem precisasse do par. No caso da peça da Espaço em Branco, o par formado por Bruno e João é fundamental para a performance de João. O artista pesquisa e mostra resultados concretos, sons dignos de David Lynch criados por Douglas Dickel ao vivo e a câmera de Pedro Karam não perde só uma expressão do ator. O que fazer com a existência, quando se está em meio a uma peça, querendo dar um sentido a todas as coisas, rompendo com a barreira do teatro tradicional. Nada ou tudo aquilo que foi feito. Não digo assim que o espetáculo com pouco mais de uma hora e meia resolva todas as suas brechas, porque as narrativas vão se construindo com o tempo, ainda mais neste tipo de trabalho experimental.

Bad Blake canta e toca bem o mais legítimo country e vive amargurado. João de Ricardo conhece as agruras do homem e desenvolve uma linguagem interessante de performance art. Os demais trabalhos da companhia estão aí para mostrar que há uma linguagem consistente, que eu não sei onde vai dar, nem quero saber.
Também não sei onde o Jeff Bridges vai parar. Apesar do filme Coração Louco ser simples no esquema decadência e uma certa redenção para que ele volte a compor e obtenha um certo sucesso e volte à estrada, é apenas um filme, como o o Homem que Não Vive da Glória do Passado também é apenas um espetáculo. Porém, o que estas duas formas de arte nos provocam, isto é o objeto de discussão. Em mim, estão claros
os sintomas. Vontade de criar, de não sufragar, de não viver de um livro ou conto bem escrito. De uma matéria jornalística bem feita há alguns anos. Viver e não ter a vergonha de ser feliz, cantava o Gonzaguinha, cujo apelido certa vez já me serviu.

A fita durex/crepe que amarra o rosto de João de Ricardo impede a expressão e a voz, bem como os fluídos que escorrem pelo seu rosto. A televisão e a mercantilização do mundo nos impede a expressão, a voz e o pensamento. Bad Blake faz tudo no automático, só pensa quando o coração enlouquece: “mas não deixa esquecer o caminho do coração”, diz a música Crazy Heart, tema do filme.
Alguém pode me perguntar por que relacionar estas duas histórias. Não há motivo razoável. Porém, digo que há um universo intangível, pairando em volta de todos nós. Nele, estão os Quixotes, as Alices, os homens, os músicos, os Holden Caufields, os Jean Valjeans, os Brás Cubas, os atores, enfim, os escritores. Lutando pelas ideais, pela arte fora dos padrões ditados e tradicionalmente aceitos.

O homem deve ter o seu coração cada vez mais louco e não aceitar os pensamentos impostos, nem tampouco as glórias do passado e neste sentido o espetáculo da cia Espaço em Branco e o filme de Scott Cooper cumprem o seu papel, nos despertando para algo. Parabéns a eles. Viva a arte. Viva o homem, sua reflexão e sua inconstância.

Luiz Gonzaga Lopes – jornalista

segunda-feira, abril 19, 2010

Por que tudo que é bom acaba um dia


Invariavelmente esta frase nos persegue como uma sentença de morte. Tudo que é bom um dia vai acabar. Para falar em séries, não consigo me conformar com o final de duas séries de tevê (alguns vão chamar de enlatados e o falam por ignorância da importância da mitologia de algumas séries para a formação do pensamento crítico de qualquer pessoas, mas isto é outra história). As séries em questão são 24 Horas e Lost. A série da ilha já tinha o seu final anunciado há muito tempo. Como todo seriemaníaco já assisti até o episódio 12 exibido no país comandado por Obama. Toda a mitologia está sendo explicada, com recuos no tempo de séculos, como no caso do Richard Alpert. J.J. Abrams e os produtores já disserem que não haveria mais o quê dizer após a sexta temporada. Hurley agora conversa com os mortos, principalmente com Jacob, o representante do bem na ilha (maniqueísmo é uma das fórmulas mais clássicas de narrativa, principalmente dos países derivados da linhagem anglo-saxã). O mais triste, porém, foi o anúncio da morte da série do imortal Jack Bauer. Ao produtor Brian Grazer coube esta tarefa. Kiefer Sutherland está meio passadinho na forma física, inclusive já é vovô na série, pois Kim já tem uma filha. Está se vendo melhor com as pistolas e metralhadoras do que com esforço físico, mas ele podia aguentar mais uns dois anos e se retirar na 10ª temporada, como outras duas clássicas: Seinfeld e Friends. O problema é que ele tem uma coisa meio Roberto Carlos. Todas as mulheres pela qual se apaixona, morrem. Outra fórmula clássica, até clichê. O agente da CTU que dá o sangue pelo bem comum dos Estados Unidos, o fiel escudeiro do presidente, no caso Wayne Palmer, Charles Logan ou da presidente Alysson Taylor, acaba sempre sozinho. Faltam sete míseros capítulos, mas que representaram uma vida de quem acompanha há nove longos anos uma série que marcou história, assim como outras ao longo da história: A Gata e o Rato, McGyver, CSI (que continua marcando), Carnivale, entre outras.
Por falar em marcar história, quem está ameaçada de acabar na primeira temporada é Flash Forward, com o piegas Joseph Fiennes. Apesar do papel principal do agente Mark Benford ter sido mal escolhido, ele não está comprometendo tanto. A série é um achado. Um apagão global faz com que as pessoas fiquem 2min17s inconscientes em todo o mundo. No momento da bobeira, todos avançam o pensamento em seis meses. Tudo que ocorreu durante este apagão vai fazer com que cada um construa um mosaico e os agentes do FBI vão investigar o ocorrido. Estou no 16º capítulo da primeira temporada, esperando que ela tenha pelo menos uma segunda dose em 2011.

Crédito foto: Fox / Divulgação

domingo, abril 11, 2010

Disney pasteuriza a Alice de Burton


Não adiantou um grande diretor colocar as suas mãos e sua inventividade estética a serviço de Alice. O filme Alice no País das Maravilhas que estréia em Porto Alegre no próximo dia 21 de abril é belo, porém pasteurizado pelo efeito Disney, que mais recentemente só conseguiu deixar à vontade o primeiro filme dos Piratas do Caribe, transformando as duas seqüências em filmes de muita aventura e grande limitação narrativa.

Neste filme, Tim Burton até que tenta criar grandes licenças poéticas dentro da mitologia criada por Lewis Carroll, transformando o Chapeleiro Louco num personagem mais destacado que Alice, os méritos vão todos à parceria com Johnny Depp que transforma o Hater em um terno e insano personagem, fundamental para o desenvolvimento da história, às vezes até com um pouco de flerte com a jovem Alice (Mia Wasikowska).

Apesar do empacotamento da narrativa por conta do estúdio que a produziu e de algumas pequenas falhas de roteiro e continuidade, como no caso das cenas em que Alice estica e encolhe, nas quais as roupas não seguem a proporção exata, o filme tem algumas riquezas que não podem ser desprezadas.
As criações de Burton para situações como a cena do chá, o jogo de croqué no castelo, as criaturas como o gato Cheshire (Stephen Fry) e a lagarta Absolom (Alan Rickman) são realmente impressionantes, assim como a atuação de Helena-Bonham Carter como a cabeçuda Rainha de Copas. Destaque negativo para a interpretação afetada e caricata de Anne Hathaway como a Rainha Branca.

Na história de Burton, que compila situação de Alice no País das Maravilhas com Alice Através do Espelho, a jovem está com 19 anos e está sendo pedida em casamento por Hamish (Leo Bill), filho de Lord Ascot (Tim Pigot-Smith) do sócio do seu pai Charles Kingsley, já falecido, que lhe apresentou 13 anos antes a história da menina no País das Maravilhas.

Ao fugir do coreto foi pedida em casamento, Alice foge e vai atrás do Coelho Branco (Michael Sheen), caindo num buraco e enfrenta situações como a de esticar e encolher, depois conhece personagens extremamente engraçados como os gêmeos gordos Tweedledee e Tweedledum (Matt Lucas). Muitos destes personagens questionam se ela é a verdadeira Alice, que com a espada Vorpal vai matar Jabberwock (Christopher Lee) no Dia Colossal e devolver a coroa à Rainha Branca, usurpada pela Rainha de Copas, aquela que quer sempre cortar as cabeças de seus adversários e seu fiel escudeiro, o valete Ilosovic Stayne (Crispin Glover).

Alice passa o tempo inteiro pensando que tudo é um sonho e assim enfrenta os seus medos e alguns monstros como o temível Bandersnatch, mas ela descobre que já esteve no País das Maravilhas 13 anos antes e até o fim da jornada, o Dia Colossal, ajudada pelo Chapeleiro e outros personagens como o cão farejador Bayard (Timothy Spall), o Rato (Barbara Windsor) e a Lebre (Paul Whitehouse).
A partir do que está escrito no Compendium, todos já sabem que Alice realmente será a campeã e vai enfrentar o monstro alado da cabeçuda Rainha de Copas. Alice não tem tanta certeza, mas lembra que às vezes acredita em seis coisas impossíveis antes do café da manhã, quando já está com a armadura para a batalha final: numa poção que a faz encolher, num bolo que a faz crescer, em animais que falam, em gatos que aparecem e desaparecem, no País das Maravilhas e, finalmente, que ela pode matar Jabberwock.

O clima final do filme já é totalmente Disney, o que tira um pouco o brilho da batalha, pois tem um quê de redenção fabular, mas não tira o mérito da versão de Burton para o clássico de Carroll. A coroa volta para a Rainha Branca e a Rainha de Copas é punida. No final, mais méritos para a interpretação de Johnny Depp, que faz o Chapeleiro Louco dançar magistralmente a dança da vitória, o Futterwacken, e com um olhar carente consegue dar magia à despedida de Alice, que vai voltar a superfície dos vivos, longe do País das Maravilhas. Destaque também para a voz de Alan Rickman, como a sábia lagarta Absolom.

Na volta do buraco, Alice resolve todos os problemas que tinha e ainda vai se aventurar a comercializar produtos ingleses na China, sendo aprendiz de Lord Ascot. Nesta parte do texto, aparece um pouco da verve imperialista do texto de Lewis Carroll, tão comum aos ingleses e a seus genéricos estadunidenses. Um bom filme, um pouco atenuado pelo impacto dos estúdios Disney.