No aniversário de São
Paulo, dia 25 de janeiro, boa parte das matérias tratava da cidade como a
capital da solidão, do infindável número de pessoas que vivem sozinhas. O mundo
caminha cada vez mais para o isolamento. E Spike Jonze (“Adaptação” e “Onde
Vivem os Monstros”) viu neste mote, aliado ao veloz avanço das novas
tecnologias, uma boa história para contar, criando o roteiro e dirigindo a
história de "Ela", sobre de alguém, que teve um trauma amoroso, e que se relaciona
melancolicamente com as emoções reais e liricamente com as emoções fabricadas,
como no emprego que tem de redator no cartas escritas à mão.com. Theodore
Twombly (o sempre magistral para estes papeis sorumbáticos e melancólicos, Joaquim Phoenix) se apaixona pelo sistema operacional do seu computador, um
novo equipamento com inteligência artificial e que parece ter emoções, suspira,
tem livre arbítrio e é curioso por tudo, evolui a cada conversa (grande interpretação somente com a voz, como dublagens de desenhos animados, de Scarlett Johansson). O filme tem pré-estreias neste fim de semana e estreia nos cinemas no dia 14 de fevereiro.
Curiosamente, na hora
de escolher a voz do seu sistema operacional, Theodore, quer uma voz feminina,
pois as relações não reais atuais eram chats de sexo. Samantha é tudo o que um
homem pode querer numa mulher, é inteligente, resolve os problemas de
organização, lê um livro em centésimos de segundo e tem emoções que parecem
reais, inclusive gemidos de orgasmo (que na voz de Scarlett Johansson se
amplifica por mil).
As relações naturais
passam distante dele, mas ele coloca o seu amor na escrita de cartas de bodas
de 50 anos. O curioso é que a tecnologia permite ditar as cartas à mão. O
reconhecimento de voz trazendo o passado, das cartas escritas à mão, escrever à
mão, é escrever com o coração. Com uma trilha de Arcade Fire (When You Know
You´re Gonna Die) e até a música criada por Samantha ao piano, The Moon Song
(na verdade escrita por Spike Jonze e Karen O. e interpretada por Scarlett) e a
recriação de uma cidade futurista, a Los Angeles dos sonhos, que é cinza, com
prédios altos, um misto de Nova York e Shanghai, que inclui uma multitude de
efeitos visuais, contrastando com as roupas em cores quentes de Theodore
(vermelha e amarela), um homem sombrio que já foi alegre, por isso o pedido de
calor ou o calor humano colocado nas cartas, como na das bodas de 50 anos de
Chris e Loretta, quando ele escreve por ela para Chris: “Lembro do dia que me
apaixonei por você. Deitada nua ao seu
lado naquele pequeno apartamento. Então percebi que eu era parte de algo maior.
Como os nossos pais, Como os nossos avós. Antes eu vivia a minha vida como se
soubesse de tudo. De repente, eu vi uma luz que me despertou. Esta luz era você”.:
.
Spike Jonze vai ao
âmago da questão da solidão, do amor e do livre arbítrio, das escolhas humanas
e de máquinas que se assemelham a humanos (alguma referência com HAL 9000 de
2001 – Uma Odisseia no Espaço pode ser vista no filme). Ele tenta quebrar a
melancolia de Theodore (a escolha do nome não é por acaso, significa presente
ou dádiva de Deus). Deus deu ao homem o livre arbítrio, a escolha de poder amar
e de poder romper com este amor (que volta em flash backs) e também pode dar a
uma máquina, a um sistema operacional o direito de escolher quem amar e a quem
servir. As discussões são múltiplas e o texto tem sacadas absolutamente
originais, como o fato de Samantha se questionar se os seus sentimentos são
reais ou são apenas programação.
Enquanto escreve
cartas à mão com um amor irrestrito, o protagonista amarga a dor da separação
de Catherine (Rooney Mara) e se apega a uma amizade desde sempre, Amy (a sempre
versátil Amy Adams, um recurso sempre interessante em filmes usar o nome do
ator para o seu papel, como Adèle em Azul é a Cor Mais Quente). Ele tenta amar
novamente, mas o encontro às escuras com uma mulher (a bela Olivia Wilde) cheia
de manias e desespero por uma segunda ligação o fazer refletir sobre o vazio
que pode estar no mundo sem Catherine e também sem Samantha. Um grande filme,
um texto original, uma reflexão sobre a solidão a dois, sobre as escolhas,
sobre o amor e os avanços da tecnologia e o isolamento que este mundo atual nos
propõe. O filme é o Theodore para todos, um Presente de Deus, seja lá ele quem
for ou como se manifeste.
Que ele ganhe algum Oscar das cinco indicações, que seja o de Roteiro Original (prêmio Writers Guild Award na categoria), ou ainda para Filme (chance menor), Design de Produção (K.K. Barrett e Gene Sardena), Trilha Sonora Original (William Butler e Owen Pallett) e Melhor Canção Original ("The Moon Song"), grandes chances nestas duas últimas. Na torcida, para que este belo filme seja reconhecido pela Academia no dia 2 de março e que possamos ver Spike Jonze filmando a cada dois anos, no mínimo.
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