quarta-feira, maio 01, 2013

Quem vai ficar com Marion?





Julie Delpy pode ser considerada o frescor em pessoa em termos de roteiro e direção de cinema. Com este seu "2 Dias em Nova York", a bela Delpy, (eternizada nas telas pelas suas atuações em "Antes do Amanhecer" e "Antes do Pôr-do-Sol" junto a Ethan Hawke) conseguiu que o filme fosse chamado por um crítico do New York Times como "tão bom quanto um Woody Allen vintage". O crítico tem razão e o público agradece por ela ter nos proporcionado a sequência do inteligentíssimo "2 Dias em Paris" (a propósito no dia 7 de junho estreia "Antes do Anoitecer", novamente sob direção de Richard Linklater, com Delpy e Hawke na Grécia, casados e com filhos).

Se no primeiro filme de 2007, a premissa era a visita à casa dos pais em Paris, da independente e volúvel fotógrafa Marion (Julie Delpy) com o namorado Jack (Adam Goldberg), na sequência de 2012, que estreou sexta passada nos cinemas,  Delpy trabalhou o roteiro de uma hilariante comédia de costumes, com os atores Alex Nahon (o personagem Manu) e Alexia Landeau (Rose, a irmã de Marion).



No plot, está o que teria acontecido com Marion depois do primeiro filme, isto é, ela casou com o jornalista e radialista Mingus (Chris Rock) e tem um filho da relação com Jack, Lulu, e ainda o gato Jean-Luc. Mingus tem uma filha, Willow. Eles vivem tranquilos num pequeno apartamento em Nova York até a chegada da família de Marion de Paris. E não é uma chegada qualquer. Jeannot (Albert Delpy, o pai de Julie na vida real) perdeu a esposa e mãe de Marion e está de luto. Ele chega a NY acompanhado da filha Rose e do namorado Manu,  ex de Marion, sendo retido na Alfândega por estar carregando quilos de linguiça e queijos.

Não é preciso dizer que desde o início Jeannot brinca com Mingus, não entendendo o inglês do novo genro, a irmã Rose dá em cima do cunhado, Manu tenta se auto-afirmar, dizendo que foi namorado de Marion e a vida do pacato casal vira do avesso. O clima de comédia de costumes é perfeito. O choque de culturas do primeiro filme continua. Enquanto em "2 Dias em Paris", Jack tinha dificuldade em admitir a independência quase amor livre de Marion, nesta sequência as confusões são com o efeito avassalador que a família de Marion tem numa relação que parecia estabilizada entre ela e Mingus.



Não há convenção que não seja derrubada com aquele humor sarcástico e inteligente de Delpy executado por todo o elenco. Marion organiza uma exposição de suas fotografias mais íntimas em momentos pré e pós ao ato sexual e fetiches e além disso vende a sua alma, literalmente, junto com as fotografias. O comprador é suspense, mas dá para dizer que trabalhou em Brown Bunny numa cena bem explícita. Manu, o ex de Marion, acha estranho que Mingus seja o único negro de Nova Iorque que não fume um baseado. Rose e Manu rimam em piada interna o nome de Mingus com cuninlingus (sexo oral). O porteiro eletrônico do apartamento de Marion e Mingus tem um som estridente, típico daquelas comédias nas quais o toque interrompe algo importante que estava sendo falado. Além disto, Jeannot continua arranhando carros mal-estacionados na rua. De quebra, temos ainda aquela trilha que muito bem poderia estar num filme de Woody Allen, com boa parte das músicas compostas por Julie Delpy, além de clássicos do jazz, e aquele efeito de fotos em sequência já utilizado em "2 Dias em Paris" para contar parte da história, que dão uma excelente dinâmica à narrativa.

Para aliviar um pouco e não contar todas as piadas do filme, que são inúmeras, a narrativa é iniciada por Marion e Mingus contando a história desta visita parisiense a Nova York para sua filha com Mingus, tempos depois, por meio de fantoches. Mingus é vidrado em Barack Obama e boa parte do papo com os franceses em inglês macarrônico, gestos ou em francês é sobre o primeiro presidente negro americano. Como em "2 Dias em Paris", quando Jack se dá conta que não conhece Marion e que não sabe se vai ficar com Marion, Mingus acaba também questionando quem é Marion de verdade. Ele não sabe deste seu lado volúvel, instável, independente.



Em entrevista para divulgar o filme a própria Julie Delpy fala sobre este aspecto do roteiro desenvolvido com Alex e Alexia (Manu e Rose): “Antes da visita familiar, o relacionamento do casal está bem. Porém, depois temos os dois dias de visita – um período delimitado, algo interessante – quando a família dela aparece e isso desperta todos os tipos de situações para ela.” As situações como a morte da mãe, abertura da exposição de arte, o questionamento sobre a existência da alma e a venda da alma para um anônimo, além dos ex-namorados e de uma família nada normal. “Eu quis que tudo isso emergisse para que Mingus visse e questionasse ‘É você mesmo?”, acrescenta a diretora e roteirista, que dá um real frescor à comédia, uma lição para estas comédias brasileiras de gosto duvidoso, tipo "De Pernas Pro Ar" ou "E Aí, Comeu?".



2 DIAS EM NOVA YORK
DIREÇÃO: JULIE DELPY
ELENCO: JULIE DELPY, CHRIS ROCK, ALBERT DELPY,  ALEXIA LANDEAU,   ALEX NAHON,  DYLAN BAKER, KATE BURTON, DANIEL BRÜHL, MALINDA WILLIANS E OUTROS.
ROTEIRO: JULIE DELPY e ALEXIA LANDEAU
HISTORIA: DE JULIE DELPY, ALEXIA LANDEAU E ALEX NAHON, baseado em personagens de JULIE DELPY
ANO: 2012
DURAÇÃO: 1H36MIN

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