Críticas de literatura (textos) e cinema (telona) e também de teatro e música, quando necessário. Artes visuais somente para fruição. Alguma entrevista mais especial também terá vez.
sábado, maio 01, 2010
A referência viva da antropologia teatral em Porto Alegre
O fundador do Odin Teatret em Oslo, Noruega, em 1964, Eugenio Barba está em Porto Alegre para conferência no 5º Palco Sesc Giratório, neste sábado, às 19h. A presença do homem que é responsável pela divulgação dos princípios da Antropologia Teatral, a partir do polonês Jerzy Grotowski, já desencadeia uma “buena onda” como se diz na vizinha Argentina. Em junho de 2008, tive oportunidade de assistir a uma conferência de Eugenio Barba na 40ª edição do Festival Internacional de Teatro de Londrina. Foi simplesmente uma aula sobre a obsessão de pessoas pelo teatro, de história do teatro europeu no século 20, de uma visão autodidata da arte e dos conceitos de cultura, entre outros tantos aspectos abordados por este italiano radicado na Dinamarca, em Holstebro.
Acompanhe aqui no blog algumas frases de Eugenio Barba durante a conferência:
"Para compreender o trabalho de hoje do Odin Teatret, é preciso entender o que significa toda a história do teatro europeu. É preciso entender Stanislavski, um aficcionado pelo teatro ou melhor, com afinidade e valores comuns ao Odin"
“A partir de Stanislavski, ver não só como uma companhia que apresenta, com contratos durante três anos, com objetivos comerciais de ganhar dinheiro e de encher a barriga, mas sim pela ótica da continuidade. Foi a obsessão de todos os reformadores do teatro que nos moveu”.
“Em 1964 houve o início do Odin. Era um grupo de aficcionados. Não tínhamos local para ensaios, nem dinheiro. Ensaiávamos numa sala de ginástica, com medidas de 10mx15m, que vocês encontram reproduzido no palco do espetáculo “O Sonho de Andersen”.
“Eu pensava o teatro como um lugar de continuidade de relações. Não havia dinheiro, nem prestígio. Na Noruega, não achei trabalho. A sociedade não permitia. Então, eu teria que aceitar o que a sociedade decide para mim? Não. Eu preciso destruir, romper, quebrar a realidade. Criar uma maneira de pensar paralela que não levasse em conta o aspecto da razão. Não queremos que os outros imponham os seus valores”.
“No fundo, o trabalho teatral é uma possibilidade de dar forma a este diálogo com as formas obscuras, como se escolhe a história, como se organizam os espaços”.
“O teatro para mim no qual não se tomava em conta as ideologias, mas a vulnerabilidade”.
Por isso, Stanislavski representa o modelo, não só a técnica pelos livros. Foi uma pessoa que quebrou as circunstâncias históricas. Provocou uma Revolução Antropológica, o nosso modelo europeu de fazer teatro”
“Uma obsessão do Odin é a continuidade de grupo”
“Odin Teatret, Living Theatre (USA) e Grotowski eram os três representantes do teatro de grupo. Para os outros era um bando de aficcionados. Não passamos por escola teatral, aprendemos pelos livros e ensinávamos uns aos outros. Não porque éramos talentosos ou originais, mas porque éramos diferentes dos modelos que existiam. Os grupos começaram a olhar o Odin como precursor, não como modelo.
“O Odin ficou com um animal obsceno na zoologia do teatro. Um monstro dos Galápagos”.
“O ofício tem valor importantíssimo, não é só a técnica. Os outros descobriram o teatro como uma bomba, para fazer tremer a sociedade, transformando o teatro em veículo de desenvolvimento pessoal. Emulando e tentando emular. Quando fica tanto tempo junto é um monstro obsceno. Não se existe há mais de 40 anos. O teatro tem natureza efêmera”.
“Hoje em dia, os grupos ficam 10 anos e vão se quebrando”.
“No começo, há o desejo de aprender; aos 10 anos, há o momento da insegurança; aí chega o momento de desaprender. O Odin se encerra dois anos, prospecta lugares onde não há teatro, promove encontros com teatros de grupo”
“Estive na América Latina a primeira vez em 1973. Andei de carros dois meses por Peru, Bolívia, Colômbia e terminei a viagem no México. O Brasil era um país completamente imaginário e onipresente. Conheci o país a primeira vez por um livro: Os Sertões, de Euclides da Cunha. Antes só conhecia Carmen Miranda, Samba e Copacabana”.
“Com Os Sertões, passei a conhecer o estilo em toda a cultura, a história de Canudos. O Milenarismo – sonho de uma sociedade diferente”.
“O Evangelho de Oxyrinchus (peça de Barba de 1985) tem alguns aspectos da cultura brasileira bem presentes no espetáculo. O biógrafo de Stalin está vestido de Lampião”.
“Conheci também Guimarães Rosa, uma maneira de contar a história diferente, o fluxo de consciência, uma construção de narrativa fora das normas convencionais”.
“O primeiro brasileiro que encontrei se chamava Luiz Otávio Burnier (fundador do Lume, em Campinas). Em 1983, ele me dizia que eu tinha que vir ao Brasil. Que era um paraíso para a antropologia teatral. Eu achava que a Ásia era este o paraíso, achava que o Brasil ser este local era folclore.
“Em 1987, ele convidou o Odin para vir ao Brasil e fomos a Campinas, São. Paulo e Rio. A congada, bumba-meu-boi, candomblé, terreiros, não se pode estudar tudo isto
sem passar por antropologia teatral. É como uma porta aberta”.
“No Brasil, eu sempre tive laços fortes com duas pessoas, com o Luiz Otávio Burnier e com a Nitis Jacon (idealizadora do Festival Internacional de Teatro de Londrina)”
“Londrina é um local privilegiado para o teatro” .
“Qual é a diferença entre o Odin e os outros? Saber contar uma história. Nós pensamos em diferentes categorias de ações teatrais e vocais”.
“O Odin trabalha o átomo, como um poeta, como Stanislavski e Meyerhold”
“É importante questões como estas: Como trabalhar em ações físicas? Como montá-la em dramaturgia? Como ter organicidade? Como desenvolver a narrativa? São frutos que te orientam como espectador.”
“A dramaturgia deve mesclar os clichês com ações originais”
“A improvisação da Commedia Dell´Arte corresponde a Stanislavski. É como no jazz, tem que saber o tom e variar”.
Em Stanislavski, a aprendizagem se dá observando, imitando, personalizando”.
“No caso do Odin, a técnica teatral tem duas convenções: Formalidade e Estilicidade
“Qual é a solução de hoje: aprender o máximo possível e depois pessoalmente escolher e utilizar o que mais funciona para você. A técnica, tu só podes incorporá-la.
“Deve se atuar 300 vezes diante do espectador. Aí aprende e vira um tapete voador. Hoje, os jovens fazem projetos, apresentam 10 vezes e já param.
“No tempo de Shakespeare e Molière, eles eram capazes de atuar a cada dia, porque senão passariam fome”.
“Se sou artista, eu sou diferente. Tentei ser pintor, mas depois descobri que existe um ofício, onde você senta numa cadeira e diz: Faz isto ou aquilo”.
“Assim como Einstein concebia a coisa mais difícil é pensar o pensamento. Para mim o teatro é um refúgio do pensamento”.
“Nunca pensei em adaptar-me as exigências de uma cidade ou de uma subvenção para a nossa especificidade. O Odin está submetido às leis da natureza do teatro. Desde que o fundamos, sempre foi uma obsessão pessoal. Quero destruir esta noção de se adaptar às exigências. Existe um grupo que vive junto a sua história, que não desagrega. As pessoas ficavam não pelo dinheiro ou pelo contrato. Então pensamos em como inventar uma dinâmica de grupo, um festival em Holstebro, projetos diferentes dos integrantes para também satisfazer as necessidades individuais”
“Todos têm tarefas organizativas. Assistência. Limpar o teatro. O modelo do Odin indica que é possível este tipo de grupo. Brecht, Grotowski e Stanislavski eram pessoas com uma obsessão, que o Odin também tem: a continuidade”.
“Há um acordo, o Odin existe até quando os integrantes estiverem vivos. Quando todos morrerem, morre o grupo”.
“O que estamos fazendo, passando para as pessoas o nosso teatro. Esperamos que daqui há 50 anos vocês possam ver o Odin com os seus netos”.
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