segunda-feira, janeiro 16, 2012

Menino ou menina?


Menino ou menina?

A pergunta do título desta crítica poderia ser feita a qualquer mãe ou pai que anuncia a gravidez do casal ou pelo casal ao médico que faz a ecografia que determina o sexo da criança. A determinação do sexo de uma criança é uma das coisas mais importantes para a maioria dos pais, para outros não. A proposta da diretora francesa Céline Sciamma (Lírios D´Água) em Tomboy é primeiro tornar natural e num primeiro momento irrevelante esta pergunta. Com este naturalismo, desprovido de efeitos cinematográficos como trilha sonora, luzes, explosões, a cineasta que criou o roteiro e dirigiu o filme acerta a mão e nos oferece um singelo retrato da sexualidade a ser determinada entre a infância e adolescência.

Mesmo que eu esteja tecendo este comentário, é importante que o espectador vá para a sala de cinema despido de qualquer ideia pré-concebida de sexualidade e vá esperando um cinema com teor dramático, no qual as coisas acontecem no seu tempo, isto é, o ritmo se determina pela ação natural dos personagens. Lembra um pouco Entre os Muros da Escola, filme dirigido por Laurent Catent, sobre uma escola pública francesa.

O que não pareceria natural no filme acaba sendo. Laure (Zoé Héran) é a filha mais velha de um casal francês que está se mudando de bairro. Ela se veste como menino, corta os cabelos curtos, mas em nenhum momento isto é um problema dentro de um lar bastante amoroso. Após chegar ao bairro novo ajudando o pai (Mathieu Demy) a dirigir o carro da família – aí também já é explorado um subtexto necessário que é o apego do pai e filha, a vontade do pai de ter um filho homem, o que acaba acontecendo com o terceiro filho que acaba nascendo (são duas meninas, Laure e a mais nova Jeanne, de seis anos, com uma excelente interpretação de Mallon Lévanna, apesar de adultizada demais) – Laure olha pela janela o que serão os novos amigos e ao conhecer a primeira amiga, Lisa (Jeanne Disson), responde instintivamente que o seu nome é Mickäel. Aí o conflito começa a ser estabelecido.

Na primeira brincadeira, Mickäel/Laure mostra as suas habilidades de menino, força, velocidade, esperteza e com ajuda de Lisa passa a ser melhor aceito pelo grupo. Então, Laure segue tranquila sendo Mickäel para os amigos e Laure com jeito masculino em casa. Como estão em férias escolares, o conflito não é estabelecido no âmbito dos novos amigos, mas as aulas irão começar e o segredo não poderá mais ser guardado. Quando Lisa vem bater a porta do apartamento de Laure, perguntando por Mickäel, a irmã Jeanne adentra o segredo e vira cúmplice. Lisa rouba um beijo de Mickäel e algo  desperta entre eles.

Quando a mãe (Sophie Cattani) descobre que ele está se fazendo passar por um menino vem a primeira lição do filme e uma das frases para serem guardadas. A mãe obriga Laure a colocar um vestido azul e a ir na casa de Lisa e de um menino no qual Mickäel deu uma surra. Parece uma agressão ao natural de Laure que é ser Mickäel, mas não é como diz a mãe: “Não estou aqui para lhe dar uma lição ou para fazer maldade com você, quero ver uma solução para isto, você tem a solução?”.

Com estas sutilezas e naturalismos, trilha sonora utilizada somente do aparelho de som de Lisa, de um piano de brinquedo de Jeanne e no início e final do filme, Celine Sciamma cria um filme real, que aborda com a maior normalidade possível sobre o tema, com atores tão orgânicos que parecem não-atores, enfim, nos deixa sair contentes e despidos de preconceitos da sala de cinema.


Foto: Pandora / Divulgação


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