domingo, janeiro 22, 2012

Mulheres no poder


O diretor romeno Radu Mihaileanu já provou no filme O Concerto que tem uma capacidade acima do comum de entender as necessidades e demandas de alguns grupos, fazendo com que as canções sejam o elo de ligação entre estes personagens. Foi assim que os antigos membros da orquestra Bolshoi conseguiram viajar sem autorização do governo russo para se apresentar no Teatro de Châtelet em Paris. A música é o elo de ligação entre as protagonistas mulheres de A Fonte das Mulheres. Com os lamentos, com as cantorias cheias de percussividade, as mulheres do filme falam das suas tragédias e alegrias, quando nascem filhos ou quando os filhos morrem antes de nascer porque as mulheres são obrigadas a buscar água para a pequena aldeia localizada entre o norte da África e o Oriente Médio. É a tradição, dizem os homens e o xeque do local, pois a água é para o serviço de casa. Está no Corão, diz o líder religioso.

Leila (Leila Bekhti) é a estrangeira, veio de longe para casar com Sami. Ela não é aceita pela sogra Fátima (Hiam Abbass), pela cunhada e por muitas das mulheres da aldeia. Ela aprendeu a ler e escrever e não aceita esta sina de as mulheres, mesmo sendo mais frágeis, andarem quilômetros com dois baldes pendurados numa vara de madeira para trazerem água aos maridos, aos homens, que não têm nem trabalho, não há colheita, e nem guerras, pois o tempo é de paz. Ajudada pela líder feminina da aldeia, Velho Fuzil (uma interpretação primorosa de Biyouna), Leila sugere que as mulheres façam greve de amor ou greve de sexo, caso os maridos não concordem em eles mesmos irem buscar a água. A referência é básica no texto “Lisístrata – a Greve do Sexo”, do grego Aristófanes. “É o nosso único poder sobre os homens”, diz Leila para tentar convencer as amedrontadas mulheres.

Assim, ela adquire inimizades, principalmente entre o público masculino da aldeia. Leila briga, invoca o Corão, não cede, quer o caminho mais difícil. O filme teria tudo para cair no piegas, mas não. Ele se aprofunda nos dramas, se solidifica no amor de Leila e Sami (Saleh Bakri), que é ameaçado pela chegada de um jornalista que ama Leila. O jornalista Soufiane (Malek Akhmiss) também é considerado a salvação para abrir o verbo e contar ao país inteiro a história das mulheres, que acabam apanhando em casa e sendo submetidas a certas humilhações em público. Sami tem outra tarefa. Ele é o único professor da aldeia, tem que educar, mas não pode fugir muito das tradições. Ele apoia Leila incondicionalmente. A sogra porém quer que o filho a repudie, o que seria uma vergonha para os pais dela e a condenaria a ser solteira para sempre naquela cultura machista.

As mulheres que lideram a greve pedem atenção aos homens, mas são chamadas de feiticeiras. Para não descambar para a pieguice, os lamentos, os cantares são o antídoto ideal. Quando elas cantam, tudo se assenta, os homens fazem vistas grossas, mas acabam recebendo a mensagem de que os seus corações secaram como a terra da aldeia. Entre o trágico e o cômico, elas avançam algumas jardas, mas a força política e religiosa dos homens é grande. Na verdade, a briga seria pela água na aldeia, pois a seca é personagem insistente e no filme a mensagem é de que a luta continua, companheiro, pelos direitos, pela igualdade, pelo amor. Amor que move a personagem Loubna/Esmeralda (Hafsia Herzi, a Samira, de “L´Apollonide – os Amores da Casa de Tolerância”). Com ajuda de Leila, ela manda e recebe cartas de um amor fora da aldeia.

Um filme com uma dúzia de lições, que não se rende à pieguice, que mostra que o amor pode vencer e que a luta pelos direitos não pode ser em vão. O filme também nos presenteia com uma visão imparcial e modernista da cultura árabe, dos muçulmanos, do islamismo, além de uma paisagem fora de série, das locações no Marrocos. Assina a produção do filme (que é belga, francesa e italiana) o francês Luc Besson. Um filme belo e com uma temática bastante profunda, visceral neste mundo multiétnico, mostrando a mão firme do diretor romeno, sempre preocupada com as questões do mundo atual.


Crédito da foto: Paris Filmes / Divulgação

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