sábado, fevereiro 04, 2012

As lições do silêncio

Enfim, o cinema se voltou para a sua própria história, para a sua base, para os primeiros pilares da sua construção audiovisual. Não é à toa que “O Artista” tem dez indicações ao Oscar, recebeu três Globos de Ouro, incluindo filme e diretor, foi o melhor filme do Critics Choice Awards, entre outras láureas. O filme de Michel Hazanavicius nos apresenta as lições do silêncio, do tempo em que ver e fazer um filme era um acontecimento, não que não o seja atualmente.

Desde o início a história nos arrebata, pois começamos a assistir a um filme mudo que mostra um astro do cinema mudo em ação, George Valentin (ator cheio de recursos cênicos). Ele observa por trás da tela o filme no qual ele é o protagonista e a orquestra executa a trilha ao vivo (aí abro parênteses para a trilha de Ludovic Bource, que é um acontecimento, dando a cada cena o ritmo e tom cômico dramático necessário).  George Valentin é o ator que está no topo e quer aparecer mais do que todos nos créditos, nos aplausos pós-filme. Está no auge. O ano é 1927.

Nos filmes, ele sempre aparece com seu treinadíssimo cachorro (Uggie), que rola e se finge de morto, mas tem outras habilidades em cena. Num dia, quando está saindo de mais uma estréia, cercado pelos fãs e fotógrafos, George esbarra em Peppy Miller (Berenice Bejo), uma aspirante a figurante de cinema em Hollywoodland. O esbarrão e o beijo que ela lhe dá na face viram notícia e ela acaba virando figurante de um filme de George. Um natural clima rola, pois George não vive mais uma paixão por sua esposa (atuação discreta de Penelope Ann Miller).  Até aí seguimos no ritmo do filme mudo, com pouco conflito, o ator de obras silenciosas segue sorrindo, fazendo caretas e mexendo com a boca.

O produtor (John Goodman) do Kinograph Studios é que apresenta o conflito, quando mostra um filme falado para George, “Romeu e Julieta”, com Constance Grey, uma ex-parceira de obras mudas. George ri e diz que não acredita neste tipo de filme.  O produtor lhe diz que este é o futuro. A partir deste ponto, a queda  está declarada e o filme ganha a sua intensidade dramática e passa a emocionar a cada minuto. Com uma trilha precisa, o drama de George e a ascensão de Peppy com filmes falados, os personagens ganham corpo e o som aparece pela primeira vez no próprio filme de Hazanavicius num pesadelo de George, que ouve risadas dos demais artistas e o barulho dos objetos no seu camarim.

Deste momento em diante, o filme nos apresenta um rosário de referências que passam por Cantando na Chuva e A Felicidade não se Compra, e mostra o fim de uma era tão necessária ao cinema, dos filmes mudos, e o início da falada, que foi agregada nas últimas décadas pelas eras technicolor, digital, de efeitos especiais e mais recentemente 3D. A derrocada de George é a troca do velho  pelo novo, do vinil e da fita cassete pelo CD e MP3, da tevê pelo vídeo, DVD e blu-ray,  do livro pelo ebook, do cinema mudo pelo cinema falado. O filme fala de amor, de gratidão, de fidelidade em relação a George, representada pelo cão que o salva da morte, do chofer Clifton, que não quer abandonar o patrão, e de Peppy, que quer cuidar de George enquanto ele destrói  o pouco que restou da sua vida e carreira. Um filme para os amantes da mais pura sétima  arte e que vai merecer todos os prêmios que vier a ganhar ainda nas próximas semanas. Que se façam mais filmes mudos, pois a história do cinema acabou de ganhar mais um capítulo com o Artista.    

Fotos: Miramax

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