domingo, janeiro 15, 2012

Uma comédia para degustar


Num dos primeiros diálogos entre os protagonistas de Românticos Anônimos, produção franco-belga dirigida por Jean-Pierre Améris, Jean-René (Benoît Poelvoorde) diz a Angélique (Isabelle Carré) se ela ama o chocolate e o que o maior problema dos chocolateiros e das pessoas em geral é confundir chocolate com doce. Ela retribui falando do amargor que é um dos elementos necessários a um bom chocolate. Somente ao falar de chocolate, eles mostram verdadeiramente o a sua alma, o seu amor, mas amargam na vida o fato de serem “emotivos” (o título original do filme é Les Emotifs Anonymes), de serem tímidos, de suarem, gaguejarem, terem autoestima baixa, entre outras coisas A brincadeira dos emotivos anônimos já começa logo no início do filme quando Angélique está no grupo de Emotivos Anônimos (como os Alcoólicos) e começa a falar das dificuldades que teve em ser bem-sucedida como chocolateira, quando era avaliada ou quando olhavam para ela para a julgarem. Cada um do grupo tem um problema, uma não sabe dizer não, o outro tem autoestima baixa etc.

Quando Angélique vai solicitar emprego numa fábrica de chocolates à beira da falência, dirigida por Jean-René, é que tudo se mistura, como no chocolate. Os medos de cada um são tratados por Améris com humor, mas com seriedade. Jean-René realmente sua frio e troca de camisas quando está para ter intimidade com uma mulher. No consultório do psicólogo, ele admite que ama as mulheres, mas não quer intimidade. Já Angélique não consegue dizer ao patrão que ela é chocolateira, não representante comercial, mas ele percebe que ela entende e ama os chocolates. A receita da contracenação perfeita é a de um grande chocolate. Isabelle Carré e Benoît Poelvoorde estão extremamente convincentes como os tímidos emotivos medrosos apavorados aspirantes a um namoro.

Os risos se multiplicam nesta comédia curta, apenas 1h20min de duração. O primeiro jantar entre os dois é uma aula de cinema cômico, quando Jean-René e Angélique não conseguem entabular uma conversação normal. Ela até faz uma lista de assuntos possíveis, ele responde com monossílabos. O medo é paralisante. Eles não conseguem responder ao garçom. Quem já não conheceu uma pessoa assim? Mas é no chocolate como pano de fundo e na trama em torno da história de amor entre emotivos é que Améris ganha a luta com o espectador por nocaute.

Quando eles desenvolvem uma nova linha de chocolates para tentar salvar a empresa ou quando degustam chocolates da Mercier - fábrica que Angélique trabalhou, mas se apresentava como uma eremita com medo de ser reconhecida – parece que sentimos cada nuance do sabor e as sensações que o chocolate causa. Neste ponto, o filme se assemelha ao filme do dinamarquês Lasse Hälstrom: Chocolate, com Juliette Binoche, Johnny Depp, Lena Olin e Judi Dench. Tanto neste como naquele, o chocolate consegue ser o elemento redentor. Neste filme a redenção é do amor quase impossível de dois emotivos. Naquele filme, a aceitação de Vianne (Binoche) pela pequena cidade da França rural e o chocolate como apimentador de relações e proporcionando realmente o prazer de degustar e viver.

O romantismo achocolatado nos envolve a todos e a sensação ao sair do cinema é que realmente alguns problemas crônicos podem ser resolvidos pela paixão, neste caso pelo chocolate ou por outra pessoa. A respeito de comédias românticas - e aí cito Nora Ephron, Rob Reiner e Garry Marshall, este um pouco decadente após Idas e Vindas do Amor e Noite de Ano Novo – enfatizo que elas são necessárias para suavizar o mundo, assim como musicais e filmes infantis, pois ação, policial e terror estão presentes no nosso cotidiano fora das telas. Isto tudo faz de Românticos Anônimos um filme delicioso, para degustar, docemente necessário para desamargar a vida.

Crédito da foto: Imovision / Divulgação

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