Crédito: Paris Filmes / Divulgação
Quando o personagem Lancaster Dodd (Philip Seymor Hoffman),
o líder de uma seita científica, comportamental e espiritual pergunta a Freddie
Quell (Joaquin Phoenix) se ele conhece alguém que viveu toda a sua vida ser tem
a necessidade de um mestre, está frutificando a semente jogada na terra árida
da vida e dos espectadores pelo realizador Paul Thomas Anderson em “O Mestre” de
que a interdependência entre pessoas, pais e filhos, mestres e alunos, chefes e
empregados, marido e esposa, irmão mais velho e irmão mais novo, líder
espiritual e seguidor e outras ascendências possíveis de uma pessoa sobre a
outra parece ser uma das circunstâncias da vida mais normais do que pensamos.
Com dois atores que levam a arte de interpretar ao extremo
trabalhando esta oposição entre o mestre e o pupilo desajustado, o filme traça
o seu painel sobre a fundação de A Causa, nos anos 50, por Lancaster Dodd
(Hoffman), que possui inúmeros seguidores, mas muito ceticismo. Num primeiro
momento, o desajustado, o bêbado e sua alma equilibrista, Freddie Quell
(Phoenix) são mostrados com fotogramas densos, esculpidos como um entalhe na
tela, tanto que a trilha proposta pelo Radiohead, Jonny Greenwood, nos lembra o
martelo no formão ou uma engrenagem, a raiz da loucura e do desajuste de
Freddie, um marinheiro errante, que tenta mil trabalhos, inclusive a fotografia
(neste ínterim o destaque é para o diretor de fotografia Mihai Malaimare Jr, o
mesmo do inebriante “Tetro”). Por ironia, Freddie vai ancorar sua vida
tempestuosa no barco onde estão os integrantes de A Causa (há uma proposital
semelhança com a fundação da Cientologia por L. Ron Hubbard).
A partir daí, os diálogos entre o mestre e pupilo, o doutor
e a cobaia e a evolução de A Causa permeiam o filme e mostram um experimento
que se diz científico de Lancaster com Freddie, tentando utilizar seus métodos
criados na hora de perguntas específicas e condicionamentos para que a alma
equilibrista do ex-marinheiro se encontre e não fique à deriva por oceanos que
se abastecem desde vidas passadas. Em uma das cenas mais fortes do filme, da
fidelidade de Freddie a Lancaster, quando ele é preso por tomar dinheiro de uma
contribuinte de Nova York, Phoenix literalmente quebra a cela da prisão e põe
para fora uma raiva que, segundo Lancaster, atravessa séculos. Freddie grita,
quase espumando pela boca: “Você mente, você inventa tudo isto, os teus filhos
te odeiam” e Lancaster responde com uma pergunta: “Quem gosta de você, Freddie,
quem? Somente eu. Só eu”. Em meio ao filme, a Causa aponta para uma ligação
deles em vidas passadas.
Freddie também faz experimentos. Por ser bêbado inveterado,
ele cria bebidas fortes, que usam desde thiner até antisséptico bucal. Um
destes experimentos conquista Lancaster que fica mais criativo e pergunta o que
ele põe na bebida: “Segredos!” é a resposta. Com uma atuação mais contida de
Amy Adams como a esposa de Lancaster e uma trilha sonora primorosa que inclui "Dancers
in Love", de Duke Ellington a “No Other Love”, de Jo Stafford e duas
interpretações a capella de Philip Seymor Hoffman, o filme tem uma estética
irretocável que investe no cromatismo dos anos 50, com destaque para os tons de
amarelo em muitas cenas de Freddie.
O diretor e roteirista Paul Thomas Anderson com “O Mestre”
mostra que sabe filmar os desajustados e os homens determinados e as decorrências
de suas escolhas, as almas em busca de equilíbrio, senão vejamos três dos seus quatro
grandes filmes anteriores a “O Mestre”. Excetuando Magnólia, criado à maneira
de um filme-coral, em todos os outros “Boogie Nights”, “Embriagado de Amor” e “Sangue
Negro”, são homens em busca de algum tipo de redenção, de um equilíbrio em suas
almas, mesmo que à custa do sofrimento dos outros, como é o caso de Daniel
Plainview (Daniel Day-Lewis).
Um grande cineasta, um esteta, um maestro, um mestre em sintonia com as
buscas da alma humana, as errâncias das almas equilibristas. Torçamos para que
Joaquim Phoenix, Philip Seymor Hoffman e Amy Adams tragam para “O Mestre” pelo
menos as três estatuetas Oscar na qual eles concorrem, pois este foi com
certeza o filme mais injustiçado entre os indicados ao Oscar, muito mais do que
“Intocáveis”, que não foi nominado a filme estrangeiro. Uma obra-prima não bem
digerida pela academia hollywoodiana.
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