segunda-feira, março 25, 2013

Eterno Retorno à Italiana




Antes de começar a entabular esta crítica, preciso dar um aviso, prestar um serviço de utilidade ao público. Se você é daqueles espectadores que está acostumado com as linguagens convencionais de narrativa cinematográfica, aquele esquemão básico de roteiro do Syd Field, com apresentação, confrontação e resolução, dois pontos de virada, anticlímax e clímax, com ação sustentada pelos diálogos e uma trama bastante visível para que você possa entender ou desvendar o filme, então nem se dirija ao cinema para ver o filme com coprodução da Itália, Alemanha e Suíça: "As Quatro Voltas", vencedor do prêmio Melhor Filme Europeu da Quinzena dos Realizadores de Festival de Cannes em 2010.

Filme que remete a algumas obras de Jacques Tati pela ausência de diálogos e a utilização do som direto e também o cinema contemplativo de Andrey Tarkovskiy, em filmes como "O Sacrifício", este segundo longa do italiano de Milão, Michelangelo Frammartino (o primeiro é "Il Dono", cuja tradução seria O Dono, agora ele já rodou o documentário Alberi), trata dos ciclos de vida, do tempo e da natureza e como o homem se insere nestes ciclos. O local é uma pequena aldeia com características medievais nas montanhas da Caulonia, na Calábria, no sul da Itália. Os ciclos são apresentados exatamente em quatro voltas que envolvem um homem (pastor de cabras), uma cabra, uma árvore e a fabricação do carvão, pois o sustento da região é carboneiro e também o carvão serve para aquecer as casas no frio calabrês. É uma espécie de eterno retorno de Nietzche com as formas de vida e subsistência da região. As quatro voltas são a humana, a animal, a vegetal e finalmente a mineral.



A poesia visual e a beleza narrativa de "As Quatro Voltas" é o que mais incomoda ao espectador que não se informou sobre o filme antes de entrar na sala. O primeiro quarto de narrativa da 1h28min do filme acompanha um homem (Giuseppe Fudda) que pastoreia as suas cabras e está muito doente. O tempo passa e os dias são exatamente iguais, os sons da pequena vila são dos cachorros, do vento nas árvores, uma voz ao longe, do balido das cabras e dos sinos de localização que elas carregam. O pastor acredita que o melhor remédio para a sua doença está na poeira acumulada no chão da igreja, que ele coleta junto a uma funcionária da igreja e mistura com água antes de dormir para beber. A poeira provavelmente vem das cinzas do carvão, o eterno retorno na mesma aldeia.



No dia em que ele perde o pó coletado, bate o desespero e ele recorre à igreja à noite, mas ninguém atende. Ele dorme preocupado e não levanta de manhã, quando um acidente faz com que as cabras se soltem e invadam a casa onde mora (uma cena na melhor linha de "O Anjo Exterminador", de Luis Buñuel, que era com ovelha numa sala). O ciclo do pastor está findando e o de uma cabritinha está começando desde o seu parto, o carinho da mãe até as brincadeiras e o acaso agindo para que ela se perca. No meio disto tudo, a comunidade segue suas tradições da encenação da Paixão de Cristo e os carboneiros que aparecem no início do filme são os centuriões (Bruno Timpano e Nazareno Timpano). Não há diálogos, só vozes distantes e a câmera contemplando as ações, inclusive o balido desesperado da cabritinha quando ela se perde e alcança abrigo numa árvore frondosa, um pinheiro. A volta dela também se finda e o que se vê é uma tela escura e as batidas com pás da feitura do carvão, um sinal de morte, mas de renascimento para o bem coletivo da aldeia.



 A árvore frondosa enfrenta as quatros estações, o inverno e a neve, mas não se mantém diante de uma tradição calabresa de colocar no centro da aldeia um tronco altíssimo, a "Pita" (a árvore finalizando o seu ciclo) com ramos e balões no seu topo. Após a festividade que também pode ser associada à religiosidade (característica intrínseca a qualquer comuna italiana), á arvore vira lenha e vai alimentar a fabricação do carvão, que vai virar fumaça e irá para o ar da comunidade, num ciclo sem fim.


A poesia do filme reside em entender estes ciclos e se utilizar apenas da câmera contemplativa, sem a interferência do roteiro para apresentar os possíveis ciclos da vida numa comunidade onde os tempos modernos não chegaram, a vida segue sempre a mesma sina. De alguma forma é um eterno retorno à italiana (a visão deste outro pintor visual, casualmente também Michelangelo sobre a teoria de Nietzsche) ou então a doutrina dos ciclos (descrita por Jorge Luis Borges), como queiram, pois para quem acredita, quando um ciclo se finda ou uma volta é dada, outra se inicia, em espiral ou em círculos. Uma obra de exceção, que não é para todos. Público de blockbuster, mantenha-se distante ou saia nos primeiros 15 minutos, como várias pessoas o fizeram na sessão em que eu fui.




As Quatro Voltas
(Le Quattro Volte)
Diretor: Michelangelo Frammartino
Elenco: Giuseppe Fuda, Bruno Timpano, Nazareno Timpano.
Produção: Philippe Bober, Marta Donzelli, Elda Guidinetti, Gabriella Manfré, Susanne Marian, Gregorio Paonessa, Andres Pfäffli
Roteiro: Michelangelo Frammartino
Fotografia: Andrea Locatelli
Trilha Sonora: Paolo Benvenuti
Duração: 88 min.
Ano: 2010
País: Itália, Alemanha, Suíça
Gênero: Drama
Cor: Colorido
Distribuidora: Imovision
Estúdio: Ventura Film / Essential Filmproduktion GmbH / Ministero per i Beni e le Attività Culturali (MiBAC) / Eurimages Council of Europe / Medienboard Berlin-Brandenburg / ZDF Enterprises / ARTE / Invisibile Film / Vivo Film / Caravan Pass / Altamarea Film / Calabria Film Commission / Torino Film Lab / Regione Calabria / Cinecittà Luce / RSI-Radiotelevisione Svizzera
Classificação: Livre

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